Contos



Como vivi anos em bastidores de grandes produções de eventos maravilhosos e estive já na função de "estafeta" (com todo o orgulho) de muitas celebridades de grande projeção e talento na telinha, telona e nos palcos, imaginei uma produtora executiva surtada com o atraso dizendo:

Texto: Romulo Crescente
14.03.2013


"Bora gente! Vocês sabem quantas pessoas estão lá fora? Claro que estamos ao vivo e para todo o mundo gatinha? Uma hora de atraso é inconcebível para mim! Eu sei que um segundo para Deus é um século e que um milhão significa um centavo mas para o Fagundes... Vocês beberam? Rápido staff, traz o figurino! O som tá ok? Fofo leva a declaração do ECAD pro representante mas me devolve! Gente do céu, dezesseis chamadas não atendidas do Bento, Oi! É você minha filha, fica com meu Nextel, não posso surtar e nem pensar nisso agora! Olha, eu só respeito essa produção local pela idade deles. Repete! Como? Esse cara falou algo em latim, "non grata" é o senhor tá me ouvindo, então coloca o aparelhinho no ouvido! Beleza galera, eu relevo, mas marquei a cara dele, eu sei é recalque! Cardealzinho que se sente o Papa! Elenco de apoio, comigo não trabalha nunca mais! Marta, por favor me traz duas aspirinas e um café bem forte. Traz hóstia e vinho então mas resolve pelo amor de Deus alguma coisa para mim?! Muito papo e a hora tá passando, fofa acendeu a luz? Ok! Arrasou! Enquanto eles sobem a escada fecha a porta para mim e chama a produção toda aqui para uma reunião? Já subo to no rádio na frequência 3. Oi? Caguei que não pode fumar, até agora tem fumaça saindo da chaminé... Alguém me copia da produção? Gente, tira o brasileiro de lá agora! Não é hora para dar piti e eu não estou muito católica hoje. Ouviram? Como? Que se dane que o zíper não fecha e o sapato não serve no Chico, gente é plano americano e close-up no rosto, preciso ensinar isso? Claro que não vão perceber gente! Pega o texto dele voando lá no Q.G! Eu vou subir saí do rádio! Cadê a mitra dele? A testa está brilhando ainda e esses óculos não estão legal, preciso de um com lente que não reflita flashes. Make-up!!! Bora lá minha sala voando galerinha. Junta aqui e fecha a porta. Gata me dá um cigarro? Eu sei que ele é argentino mas vamos focar no job. To igual a vocês desde anteontem virada, mas por favor. Me ajudem ok? Já tá acabando e quero dizer que tudo que eu disse foi profissional, vocês todos são uns fofos ok e nada foi pessoal? Agora coloquem ele logo na sacada!!! Ah, vai sem ponto mesmo, coloca uma pessoa soprando o Pai Nosso! Eu subo com vocês. Chico, dá um abraço aqui, amei trabalhar com você, relaxa, respira fundo, solta o pescoço, lembra que ninguém lá fora sabe o seu texto, vai com tudo, pode improvisar e olha. Muita merda viu! Arrasa gatão! Como? Ah tá! Boluda!? Enfim, Joice segura as pontas aqui encima que vou lá ver o Odilo. Credo precisando me benzer, hoje perdi mais um Nextel! Não vou nem para o hotel, daqui pro aeroporto!"

 - FIM -


SEM E CEM,00
Romulo Crescente
31.02.13

Sem bom dia não dá! Mas ontem sem sono contando muito mais de cem carneirinhos fiquei sem deixar de pensar em criar algo, pois sem criatividade eu honestamente não sei quem sou. Pensei: que coisa mais sem sentido! Mas não é que deu certo? Acabei dormindo e claro, sem deixar de sonhar, como todo ser humano que, em em uma única noite, sem dúvidas sonha mais que uma vez mas acorda sem lembrar de tudo com exatidão. Gastamos, aproximadamente, um terço de nossas vidas dormindo e um quarto desse tempo, sonhando. Será que é à toa? Já ouvi de uma pessoa sem papas na língua que o sonho não pode passar de uma noite e que realizá-lo é a meta. Mesmo 100 anos depois da psicanálise de Freud, pesquisadores afirmam que sonhar é uma necessidade biológica, capaz de indicar também como funciona a memória humana. Sem mais detalhes, entre uma rolada e outra parei e tentei ficar sem pensar, lembrar, programar, somar, subtrair e sei que a arte de escrever e deste blog é sempre de multiplicar dividindo experiências. Sem ler, se informar, ficamos sem assunto e sem até saber escrever corretamente. Mas aí ficamos sem diploma, sem currículo e sem oportunidades no mercado de trabalho.

Não acredito em uma vida sem fé, sem Deus, sem amor, sem senso de humor... Quem eu? Sem vergonha? Sem noção é quem acha isso de mim ou que sem o que fazer da vida perde o tempo que expira em 80 anos gozando de saúde. Aliás uma vida sem julgo, sem se preocupar com a vida alheia a ponto de esquecer da própria é sem nexo para mim. Assim como muitas leis de nosso país de beleza sem par, que passa pelo que passa sem deixar a peteca cair, seja nos campos de futebol em 2013 ou nas passarelas do samba já já! Sem embasamento criam leis que no fim acabam dando certo e umas acabam sem mais perguntas ao meritíssimo. Essa nova lei do bafômetro deixa claro, respeite o limite de 100km/h, não guie sem cinto, capacete, cadeirinha para crianças, pode usar o sem parar no pedágio, mas reduza à velocidade e sem vítimas sem culpa de nada especialmente por dirigir sem permissão, ultrapassar em curvas, sem visão ou onde há faixa dupla contínua na estrada da vida. 100% de suor no trabalho para viver sem grilos futuramente. Eu sem família, amigos, alegria no que se faz, música, correria da vida urbana, silêncio do interior e cheiro de mar, incenso de bejoim ou de perfume de grife sou nada! Além de orações e viver sem atribuir qualquer vitória ou conquista ao Criador de tudo que vejo sem deixar de agradecer.

Terrível é gente sem palavra que te deixa sem recursos, sem previsão, sem horizonte, sem chão e até sem teto. Viver sem salário até que dá como freelancer, mas prefiro a segurança de saber que vou ficar sem deixar de pagar uma conta ou uma promessa. Para mim uma nota de cem? É vago! Ganhar é fácil com trabalho, achar no chão impossível, emprestar é uma virtude, pedir é vergonhoso, ficar sem pagar é feio ficamos sem moral, sem jeito... Uma nota de cem reais é uma coisa, 5 cédulas de 20 libras esterlinas ou duas de 50 euros já faz dá um "exchange" no assunto. Porém 100 trilhões de dólares zimbabuanos definitivamente não valem one hundred american dollars... Falando em valores, cem reais é grana, cem mil resolve, cem milhões é o ideal para mim (por mês), cem bilhões? Não deve ter pessoa física que possua tal patrimônio em conta corrente disponível para saque. Cuidado ao viver sem limites no crédito. A fatura é um fato! 100g de ouro puro hoje, vale pela cotação cerca de R$ 10.750,00 já 100g de crack é um caminho sem volta. Ir a Paris sem ver a Torre Eiffel só aceito a desculpa se for deficiente visual. 

Para mim nenhum bêbado, valor da conta de luz, depósito, avião ou a folha de uma árvore cai sem que seja por permissão Divina. Sem se arriscar, se expor, sair, se abrir, confessar, desabafar, chorar, reconhecer, aceitar e tudo isso sem rancor, amargura, mágoa e ódio a vida fica mais fácil, mas sem abuso, sem buso, sem abuso e sem preconceito sol nenhum brilhará. Sem humildade, temor a Deus, caráter e responsabilidade é uma vida sem hombridade. Sem ombreiras é estar na moda, sem roupa é naturismo, naturalismo é gafe quando comparado.

Sem boca não se "vaia" Roma e nem ninguém. Ser humano é saber o perfeito equilíbrio entre educação e sinceridade. Eu vivo muito bem sem quiabo, sushi, sarapatel, buchada, mocotó, foie gras, caviar, Big Brother, Faustão, destilados... Mas jamais me imagino sem planejamento, perspectiva, independência, objetivos, foco, sal, açúcar, café, aji-no-moto, canais à cabo, internet, pijama para dormir, sinal no celular, carregador, plano de saúde e viajar... Posso tentar! Detesto gente sem compaixão, sem expressão, sem opinião e sem deixar a gente falar, sem higiene, sem discernimento... Eu honestamente sem querer ofender, cago e ando para "Buchecha" sem Claudinho mas realmente impossível Piu-Piu sem Frajola, neném sem chupeta, Romeu sem Julieta.


A cada 100m de subida a temperatura cai 1ºC, já a cada 100m de profundidade em água salgada, a pressão é de entorno 1010.430hPa. 100kg depende da altura da pessoa para ser considerada obesa, 100 pessoas em uma aeronave é considerado um voo doméstico, e sobram mais de 50 poltronas vazias, já 100 pessoas na fila do banheiro é impossível não alijar ou excretar nas calças. 100 pessoas em um ônibus para mim é inconcebível, mas acontece mesmo sendo proibido. Sem aplausos é um fracasso, 100 pessoas pagando inteira é uma quimera do ator amador. Sem patrocínios o profissional também não chega a lugar algum com sua montagem. Um filme de 100 milhões de "verdinhas" de orçamento pode ficar sem um Oscar como eu posso ficar sem ninguém por certo tempo, sei que jamais estou sozinho mesmo... Não concordo com Vinicius de Moraes que afirmava que: "sem você meu amor eu não sou ninguém"! Mas um campo sem flor, gado ou plantação pode ser sinal de sem terra! Chegar aos 100 sem saúde eu não desejo, com todo respeito à Niemeyer e Dona Canô que provaram o contrario..

Sem medo para mim é destemido e evito estar entre eles, afinal, nunca vi uma estátua em homenagem ao "medroso" desconhecido. Jeremy Lin, Christian Marclay e Viola Davis estão na lista das 3 pessoas dentre 100 mais influentes no mundo, já Carlos Slim Helu, Bill Gates e Eike Batista pertencem a uma outra lista que cabe à Forbes divulgar.

Pois é amiguinhos que já passam de 100 em minhas redes sociais, nascemos sem dentes, sem roupa, sem cabelo, sem comer sólido, sem falar... E morremos diferente disso? Sem mais!


Hemisfério sul, 22 de setembro de 2011.

"Queridas criaturas, desculpem o termo, mas Eu que vos criei; e vos chamo como Eu quiser. Com relação à demora da chegada da primavera e suas características marcantes de cujas flores brotam e a temperatura fica mais amena que a do implacável verão, que eu criei só de sacanagem mesmo. Justifico-Me, mas só porque sou brasileiro tá?!

Bem, como estais acostumados com atrasos nos aeroportos, metrôs, ônibus, fila nos bancos, salários, horas extras, bonificações, reconhecimento dos chefes, atendimento nos hospitais, e outros "atrasos", no ciclo menstrual, que chegais ao ponto de considerá-lo inapropriado e apelam para medicamentos abortivos, coisa que Me entristesse...

Eu estou, como nunca estive, atarefado com tudo isso que algumas outras criaturas minhas há tempos atrás chegaram a escrever no livro do Apocalipse tais como: tufões, terremotos, ondas gigantes, desastres naturais, desmatamentos,  derretimento das calotas polares, irmão matando irmão, filho matando pai, pai matando filho, falsos profetas levando multidões inteiras às urnas, vulcões ativos, passivos e simpatizantes, crise naquela terra que meu filho tanto andou sempre pregando o bem e a verdade por mim imposta, e que mesmo assim, o pregaram na cruz da justiça terrena, fora os índices alarmantes nas estradas, desemprego, indenização dos ex-funcionários da VASP, viciados em geral, violência urbana, o Corinthians, Rock in Rio, Copa, Olimpíadas e outras coisas...

Justamente por isso que Eu venho por meio desta missiva, dizer-vos que a primavera já chegou sim, foi apenas um refresco de minha parte, afinal, Eu tardo, mas nunca falho e a Minha justiça é implacável, por Mim, Eu já teria feito o mesmo que fiz com os dinossáuros, mas meu filho insiste em interceder, defender, poupar alegando que ama a todos vós. E com amor, sabe como é que Eu sou não é?

Att.
Deus, ou, chamem-Me como quiser: Oxalá, Allah, Brahma... O que importa, é que Eu vou chamar a todos vós com o nome certinho conforme consta em vossas certidões de nascimento, alistamento, casamento, divórcio, (que o Papa não leia ok?), enfim: será o mesmo da de óbito!

Ps1.: Por favor, não repassem este e-mail. Não é uma corrente, respeitando sempre o Kardecismo, mas a consequência de tudo definitivamente não é minha culpa, é sim de vós que tratam o mundo do mesmo jeito que tratam o vosso lar, não é?

Ps2.: Quando forem fazer oração, prestem atenção no que repetem diariamente "...Que seja feita a Vossa vontade, assim na terra como no céu..." Ora, se confiam tanto em mim por quê passam a vida reclamando achando que possuem poderes?

- FIM -

"...Se eu quiser falar com Deus..."


Romulo Crescente:
12.08.11

Ai ai, um telefonema pode mudar tudo; um telefonema para o "Criança Esperança" ou "Teletom", pode mudar destinos, para o Disque-denúncia, ou para uma drogaria,  uma pizzaria pode desde evitar a morte de alguém, passar a dor de muitos ou matar a fome de uma galera... Já aquele telefonema da espectativa diaria para um desempregado que enviou o seu exausto curriculum, pode transformar em fração de segundos, sentimentos de: desânimo, derrota, abatimento e preocupação em forma mágica e antônima dependendo da notícia. O telefonema vindo de uma U.T.I de um hospital, dos anjos do asfalto, da delegacia, ou até mesmo do IML; pode tirar o chão dos pés de qualquer um na mesma fração de tempo. Ah.... Mas nada como um telefonema de: "- Amor cheguei..." Ou de: "- Amor estou chegando..." É incomparável, acho que só perde para o "- Eu te amo..." dito por um pai, mãe, irmãos, amigos. Mas de tudo isso, eu só acho uma tremenda sacanagem, e isso se deve a "brincadeirinha" idiota dos que achavam que iriam chegar ao céu construindo uma torre lá em Babel; só para tentar conhecer Deus sem falecer; este nosso Deus Onipotente, Onisciente e Onipresente, que jamais se alegra de uma desgraça ou de algo que planejamos e sofremos de tanto chorar ou chegamos a perder o sono, esquecendo que acabamos de dizer: "...que seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu..." Posso dizer que confio em sua presença e em todo o milagre que tem me dado, a cada respiração, esperança ou sorriso... Até mesmo aquele choro vindo do coração. Tudo isso que escrevo, minhas Águas Marinhas, é apenas para expressar a minha revolta de não saber o número de Deus. Não por blasfêmia, e sim, para falar o quanto eu o amo e o quanto eu sofro com o seu silêncio sepulcral para conosco, que o amamos e respeitamos tanto e cremos em sua infinita misericórdia. Mais ainda, meu coração de criança que ainda tem esperança de ser tudo o que quer, saltaria do peito de alegria se recebesse um telefonema Dele para que eu pudesse receber de sua voz arrebatadora o acalanto, afago, paz, e sossego de uma ansiedade de não entender a diferença entre o tempo Dele, e o nosso, e que nossos planos não são nada, uma vez que a caneta de ouro da minha vida inteira eu entreguei para que ele escrevesse cada palavra nesse meu peregrinar sobre essa terra repleta de falsos profetas e que só sabem dar péssimas notícias via telefone. Para não perder a oportunidade, uma mensagem também serviria para esse seu filho que jamais se abaterá por coisa alguma dita, feita ou escrita pelo homem puro de criação e imperfeito por livre arbítrio que fez com que o céu se emudecesse de vez.

Ps. Pode ligar a cobrar, afinal, sei que sou impuro e tenho lá minhas dívidas...

- FIM - 



Romulo Creonte do Espelho Coletivo Crescente Arantes de Toratore e Caesar.

Romulo Crescente
24.07.2011.

"Cacos do espelho da pedra que atirei, busco em cada estilhaço o verdadeiro ou falso mosaico de uma figura que eu imaginei... A “quase” frustração de achar que, refletiria uma imagem perfeita, moldada, asseada, graduada, poliglota e “topética”, me mostrou entre outras coisas, que a vida é real, e por isso que eu posso me orgulhar de ter a possibilidade de fugir um pouco desta realidade péssima que muitos chamam de pessimismo, seja em uma personagem por um tempo de ensaio, ou de apresentações que igualmente não duram para sempre, lembrando: nada é para sempre, nem a imagem refletida do espelho da vida real, nem a gente, nem o espelho iluminado de um camarim, nenhum espelho pode refletir absolutamente nada se não fosse a nossa imagem.

Mas por que o vampiro não reflete? Será que é porque ele não existe na vida real? Ou será que ninguém tem medo dele, chegando a tal ponto de até o objeto "direto ou indireto", dar-lhe as costas, isso na minha análise apenas sintática...

Já este antigo e utópico reflexo, que não foi por mim criado; e sim, pelos outros que “tentaram” me fazer acreditar que o quimérico, seria real. E que não os culpo, não pedi para nascer, para ser batizado e nem para nada, mas quando comecei a pagar minhas contas e meus "pecados" me dei conta de que eu escolho e encaro as consequências e não me envergonho do que vejo refletido no espelho a cada milagre de estar vivo ao me encarar nele.

Mas nada nesta vida imaginada e cheia de objetivos e justificativas,  pode impedir de por um instante o sonhar com o que gostaríamos que tivesse sido, ou que será, mesmo que nem imaginemos refletir para os outros, ou ofuscar, sem querer... Alfinetadas podem ser vistas como apenas um ponto que dói a cada um que vai a uma sessão de acupuntura, e que precisa ser tratado se doeu, mas que não houve intensão de espetar em uma frase dita por mim, isso eu juro! E também não quero falar o que não sei e, uma vez que não me preocupo com o "achismo", me calo e vou criando calos!

Acho graça do que os outros "acham" que pensam por apenas olharem tentando imitar o papel de um espelho, achando que eu levo a sério a imagem que tentam decifrar da minha.

Sei que o egoísmo anda de mão dada com a sinceridade, exemplo? Quando digo que não quero ir à festa porque não gosto do lugar, dos assuntos, e que prefiro ir para outro lugar, não é que estou sendo egoísta e nem grosseiro, só não quero e ponto! 

Entre agradar aos outros e me agradar, sou mais feliz me agradando, já o reflexo do que sou no palco? É totalmente diferente; o que me motiva a viver uma personagem, é o querer e ponto também! Do contrário diria não ao convite.

Se eu quero, é porque gostei, me interessei, topei dar as topadas, algo me arrepiou, me tocou e estou disposto a ser e a estar feliz em cena, mesmo por trás de uma maquiagem, figurino e com palavras decoradas. O reflexo desta honestidade de querer fazer o que se ama? Aplauso, troféu, julgo, vaia, inveja e tudo que um ser humano está sujeito a passar na vida real. Quem agrada a todos? E quem quer agradar a todos? Enquanto pensam na resposta, vou me agradando...

Caridade, gratidão, conselhos, respeito e amor desafinados e descalibrados, é o que “tento” passar; pena que não interpretam direito, sem generalizar claro, mas não me magoo, porque quem tem que encarar o espelho frente a frente, sou eu e todo santo dia. Nascemos e morremos conosco e sozinhos. Buscamos nos outros equivocadamente a solução de problemas ou questões que apenas nós mesmos podemos resolver...

Mas existe a possibilidade da solidão, do espelho da sinceridade exacerbada. Mas prefiro a honestidade da “solidão”, que não é nenhum fim do mundo quando se está bem consigo, podem cronometrar, dura o tempo de uma boa masturbada e nunca se esqueçam que tem até preço tabelado em alguns “casos”. E há transas que são menos prazerosas que uma masturbação.

O oposto de sinceridade própria? Uma eternidade de insatisfação acompanhada, só para tentar mostrar para os outros, uma imagem que este espelho passa longe de estampar, e que honestamente, não precisa de espelho algum para que percebamos que não há amor, sinceridade e que é uma personagem equivocada tentando fugir do espelho da realidade, só que sem texto decorado, improviso é para poucos! Mas nada que um figurino apropriado, criatividade e foco consigam colocar panos quentes, até estourarem na hora errada... Errada não, pois não há certo e nem errado e sim: adequado.

Já ouvi dizer, que quando nos amamos refletimos e atraímos de tudo, inclusive o amor verdadeiro. Seja ele uma linda mulher (para quem ama), o emprego dos seus sonhos, o conforto de estar em paz consigo mesmo ou em uma peça teatral, que é capaz de deixar saudade em um ator, e se deixa esse sentimento losófono, é porque amamos; (palavra que no presente ou no passado é igual: “nos amamos ontem”, “nós amamos refletir e filosofar”).

Ah! Por que eu joguei a pedra no espelho? Simples, estava cansado daquela imagem... Esses cacos, caquinhos e estilhaços, estão cada vez mais divertidos como um jogo de quebra cabeças que vou montando a imagem que eu verdadeiramente sou e que com os tempos e a maturidade farão o reflexo perfeito. O que acham de mim? Podem achar, eu quero certezas, e isso, sei que só eu posso ter."


-FIM-

Belo Horizonte, 31 de Outubro de 2010 - 00:44 (Quarto do Hotel nº 1714)

Não há lugar com nome mais lindo e perfeito para estar em uma data com esta. Que todas as criaturas humanas que buscam trilhar novos caminhos que levam a novos horizontes como é o meu caso, consigam aceitar que só o bem salva e que o mau confunde. 

Mas o coração que é belo, a alma que é bela, e quando a vontade de transmutar para o belo parte deste mesmo belo e perfeito coração que nos foi colocado no peito por algo supremo e superior a nosso entendimento pleno, consiga atingir seu ideal que é o de respirar, se alimentar, crer na luz eterna que brilha dentro de cada um de nós, sejamos belos por dentro e por fora para que esse inalcansável horizonte, mesmo intangível, esteja sempre lá, belo e visível, mesmo ao nosso irmão que não enxerga.

Que os medos sejam superados, que as opções sejam tomadas e que nosso coração, mente, corpo, alma e espírito esteja sempre em uma única vibração com o Cosmos, Pai, Mãe, Filho e Espírito Santo.

E que a Mãe Terra esteja sempre dentro de nós. E junto com esse uníssono pensamento no bem, sigamos nossas jornadas. Longe dos olhos mas perto do coração sempre. Essa força existe, e é do bem.

Um lindo e Belo Horizonte sempre estará lá, basta querer, olhar e acreditar que ele está lá; todos os dias e jamais esquecer que todo dia é um milagre.




- FIM -



Romulo lenda?
De acordo com as lendas romanas, Romulo governou até 716 a.C. A lenda mais conhecida sobre seu reinado relaciona-se ao problema dos primeiros colonos. Teriam sido os foras da lei da Itália: os banidos, devedores insolventes, assassinos e escravos fugidos a primeira população de Roma.
Em Roma havia muitos homens e poucas mulheres, por isso Romulo decidiu raptar as mulheres sabinas durante as festas em homenagem ao Deus Consus, a 21 de agosto. O número de raptadas, segundo a lenda varia entre 30, 527 ou 683 jovens, sendo apenas uma casada. Indignados, os Sabinos sob o comando de seu rei Tito Tácio, organizaram um exército que entrou de surpresa em Roma graças à traição de Tarpéia.
Tarpéia filha de Spurius Tarpius, foi seguida por Romulo durante a guerra. Tarpéia se apaixonou pelo rei Tácio, assim que chegou à Roma, e prometeu à ele entregar-lhe a cidadela em troca de se casar com ela. Tácio aceitou.
Depois de entregar a chave da cidadela à ele, Tácio em vez de se casar, esmagou-a sob pesados escudos de seus homens.A partir de então ficou consagrada a "Revolta Tarpéia", todos os criminosos eram mortos.
Depois da perda do Capitólio, a luta entre os dois povos continuou equilibrada. As sabinas que estavam amando os romanos imploraram aos Sabinos que cessassem o combate. Então os dois povos assinaram um tratado que unia ambos e suas terras. Tácio ficou como rei, mas pouco tempo depois morreu e Romulo tomou seu lugar.
Seu reinado durou trinta e três ano, e foi marcado pelo progresso de Roma, concedendo-o o título de Pai da Pátria.
Aos 54 anos de Romulo, uma tempestade terrível caiu sobre o Campos de Marte, levando tudo e depois veio uma eclipse do Sol. Quando tudo terminou, Romulo tinha desaparecido.
Um romano disse que viu o rei e este lhe contou que havia sido levado pelos deuses e convertido no deus Quirino, então construíram um santuário no Quirinal. Depois, historiadores romanos, afirmam que os senadores que haviam assassinado o rei.

Enterro do Espelunka


Texto: Romulo Crescente – abril de 2011
Música de fundo: Bruno de La Rosa

Meus queridos amigos, minhas queridas amigas, meus queridos irmãos e camaradas. Não quero me estender nestas palavras póstumas em homenagem ao nosso amigo Spelunka que está partindo desta para uma melhor, e que com certeza vai levar junto dele, muitas boas lembranças como aconteceu com o “beco das garrafas” no Rio de Janeiro ou a galerinha do clube da esquina,
Esse aqui, levará para a eternidade lembranças como, os acordes dos artistas que por este palco passaram, pisaram, ensinaram, cantaram, tocaram e levaram no peito, suor e garganta sempre emocionando os nossos corações dispostos a uma deliciosa noite de sábado esquecer nossos problemas, facilitando na corda bamba da emoção e de um violão; entre uma fossa causada por um ex-amor, ou a alegria de estar com o verdadeiro amor, ou a solidão de estar entre amigos... Que com os vapores etílicos e misturados com o som que alegravam nossas almas com seus violões embriagadores, violinos sonhadores, triângulos folclóricos, “cajones flamencos”, percussão indefectível, objetos improvisados que reproduziam seja em um saco de papel, saleiro e caixas de fósforos o som relaxante. Sem citar as, canjas esplendorosas, flautas doce e ao mesmo tempo adocicada, como esse instrumento involuntário que temos cá dentro do peito, e que fez, faz e fará os nossos pais chorarem ao ouvir a nossa primeira batucada; vinda dessa maquininha através de um ultra-som, (nossa primeira gravação em estúdio)... E ainda não levam muito a sério, que um artista não nasce, e sim, estréia.
Esse coraçãozinho que bate acelerado e que serve de força motriz para nós que somos apaixonados pela arte de arte de viver e de sonhar.
Sei, que existem muitas “espeluncas” por aí a fora, assim como existem muitas paixões também; que prometem na maioria das vezes, as mesmas coisas, só que com diferentes preços, energias, perfumes, amigos e bem estar causados...
O amor verdadeiro é esse aqui! O Espelunka. E a exemplo de um amor da nossa vida real, é aquele que deixa saudade, esta palavra lusófona de apenas sete letras, mas que o mundo que não fala português, não consegue exprimir o seu significado como fazemos nas músicas e na carne de quem sente,
Só quem ama de verdade, é capaz de sentir “saudade” dolorida, que se assemelha a uma viuvez, e que não tem prazo de validade esse remédio chamado tempo. Este inexorável que pode apenas amenizar uma dor de perder um amor que é “O Espelunka”, e que parece que está até sorrindo, pois descansou.
Não porque sofria de uma doença, simplesmente como os médicos falam em sua rotina: “o paciente parou”, isso pela rotina do bisturi que salva e da mão que massageia desesperadamente aquele mesmo músculo involuntário que de lágrimas de alegria de um ultra-som, viram lágrimas de tristeza nos olhos de amigos, cônjuges, netos, amantes e parentes...
Eu me lembro como se fosse hoje, o dia que eu pisei aqui pela primeira vez.  A sensação que eu tive, foi a mesma de saber que finalmente sua tribo foi encontrada, ou quando você está com aquela vontade de comer uma comida diferente, mas não sabe muito bem quem é, digo, o que é...
Meus queridos amigos, eu ofereço este brinde ao estimado, eterno e insubstituível Spelunka, que com certeza marcou história na vida de muitos amores aqui nascidos ou rompidos, negócios fechados, propostas feitas, (indecentes ou honestas), abraços apertados, gargalhadas com amigos novos e os da antiga, aniversários mil, discussões homéricas, cantadas fracassadas e outras bem sucedidas, e tudo isso, sempre a meia luz e discretamente. Reconciliações, reencontros, desencontros e tantas outras coisas só o Fred, Cleide, Thâmara e Família de sangue azul testemunharam.
isso sem contar os porres astronômicos, passamos pela lei antitabagista e mesmo assim continuamos firmes e fortes nos matando lá do lado de fora a cada bailar da fumaça mortífera e que no Spelunka vira poesia... Ressacas deliciosas e rouquidão no dia seguinte de tanto cantar, chegando às vezes a fecharmos o estabelecimento junto de nossos familiares.
Descansa Espelunka, e que todos os seus amigos lá de cima como os que estavam em cada estrofe das músicas ou ilustrados nos quadros em forma de LP na parede da memória.
Vai com Deus meu amigo, e, por favor, de onde você estiver... Eu peço que faça com que aqui em São Vicente, algum lugar chegue pelo menos aos teus pés, e que um dia eu possa passar aqui na frente, bem velho com a minha família, ou sozinho mesmo, e dar aquele suspiro gostoso de nostalgia e dizer: “...aqui, eu fui muito feliz...” (Brinde e Bruno toca: “Solamente Una Vez”.)

   
- FIM -


O meu mundo é teu.
Fragmento de autora desconhecida encontrado na literatura grega, por volta de 500 a.C. traduzido para os dias de hoje:

"...Sentir o teu coração bater acelerado contra o meu peito dá-me VIDA. Arranca-me de tudo onde existo e puxa-me para ti, para o significado de ter e ser. Deitamo-nos e a nossa pele desaparece, os nossos músculos deixam de acontecer, somos duas almas que se fundem e incendeiam. Descansas em mim e eu desapareço em ti. Não sei onde estou, com a única certeza de saber que nada disto pode ser real. Dás-me momentos da tua VIDA e esticas os meus sentidos, penetrando no meu olhar como uma flecha num coração saudoso. Agarro-te e tento sentir os cantos da tua música, que me embala em suaves murmúrios. Tenho tudo num segundo, e tenho o nada a quatro instantes. À beira do abismo agarro-te com força, sentes o meu toque e beijas-me violentamente, despedaçando a minha energia e construindo tudo o que tens no meu interior. Toda eu sou tua, toda eu voo, lado a lado contigo e com o que me fazes sentir. Viajo loucamente, de olhos fechados, completamente entregue ao doce sabor de desaparecer sem nada fazer, de existir sem nada temer..."

- FIM -


Terra de Piratininga sexta-feira, aos 29 de Setembro de 2006, Ano da graça de Nosso Senhor.

"Escrevo a Vossa Majestade, Donatário das Terras de Itararé após haver chegado em segurança saído da bela Capitania banhada pelo lindo mar de cor semelhante à do caldo que sai da cana após esmagada e que oferece sumo de ímpar paladar. Finalmente aportamos há um par de semanas nestas terras a qual Padre José de Anchieta, o degredado João Ramalho e outros tantos foram os responsáveis pelo progresso e que tentarei nesta missiva descrever-vos com riqueza de detalhes; e em donde a beleza é por nos vista de forma peculiar.
O céu é sempre de cor cinza e durante o dia os olhos ardem em brasa por culpa de uma névoa tóxica que cobre o ar. E os insanos majestade, ah os insanos... Nome este da tribo que por cá habita, não se olham nos olhos nas ruas, quase não sorriem nos meios de transporte e andam com vestimenta mui volumosa por causa do frio que faz por cá. Pelas noites o céu que cobre nossas ingênuas cabeças e fica de uma cor avermelhada impedindo-nos de contemplar as estrelas.
O trinar dos pássaros é raro e por vezes é calado pelo ronco dos motores das aeronaves que cruzam o céu sem cessar. Há um meio de transporte vertical por eles mui usado, os nativos chamam-no cá de “elevadoire”, onde todos fazem um ritual mui estranho donde se calam ao entrar e olham ao mesmo tempo para o teto ou para os calçados que levam cobrindo os pés. Nas ruas, motonetas de todos os tamanhos cruzam os corredores passando por entre os veículos tirando lascas das latarias.
A alimentação desse gentil é diferente da nossa meu Senhor, tudo é chegado em invólucros coloridos e repletos de números e se apresentam dentro de sacolas plásticas e em pouca quantidade, obrigando-nos a comer em mui pouco tempo. Esses nativos de tez mui clara, pouco cabelo, e com olheiras profundas possuem uma forma de relacionamento por nos espantada meu Senhor... E em abundância, pois silvícolas do mesmo sexo se beijam e dividem a mesma oca por eles chamada A.P.
Esse já citado povoado, consome uma bebida de cor negra que é servida quente e é mui olorosa deixando-os assim sem sono e elétricos chagando a causar tremenda agitação que é compensada com um objeto fino e de cor branca que ascendem, herança indígena talvez, de cuja fumaça faz exalar cheiro forte que os acalma, abre-os o apetite e só assim os fazem gargalhar compulsivamente.
Mas tudo é agradável para nos visionários e desbravadores. Em cada esquina existe uma oportunidade de abrir trilhas e expandir nossos horizontes. Assim me despeço de Vossa Majestade, ansioso por noticias da província que deixei e que levo cá dentro do peito com muita saudade e afeto. Romulo Crescente, Ouvidor e Escrivão da Corte."

- Fim -


 SÃOPAULIZAÇÃO!

Texto:Romulo Crescente
Setembro de 2006.

               PARA "SÃOPAULIZAR-SE", É PRECISO TER ESTILO, TALENTO, CORAGEM, AGASALHOS, SORTE, SERIEDADE, GRANA, MAIS UM POUQUINHO DE CORAGEM, AMOR A SI PRÓPRIO, NÃO CONFUNDA COM EGOISMO... SUPRA A SUA CARÊNCIA DE ELOGIOS AMANDO-SE CADA VEZ MAIS... PARA SÃOPAULIZAR-SE, VOCÊ NÃO PODE TER VERGONHA, PUDOR... MAS TENHA MEDO, MUITO, MEDO DO REAL, DE ATRAVESSAR A RUA SEM OLHAR PROS LADOS, DE PERGUNTAR AS HORAS, DE SORRIR NO METRÔ... ESQUEÇA DA TRANQUILIDADE, DE OLHAR AS ESTRELAS, DE ENCONTRAR ALGUÉM CONHECIDO, UM AMIGO, UM OMBRO, UM ABRACO...

               OLHE PARA A FRENTE, PARA OS LADOS MAS NUNCA PARA TRAZ... POIS É, SÃOPAULIZAR-SE É UMA ATITUDE, UMA DÁDIVA, UM DOM QUE SE ADQUIRE E QUE POUCO A POUCO VAI LAPIDANDO O DIAMANTE BRUTO QUE DORME DENTRO DA GENTE. MAS CUIDADO! ESSE DIAMANTE PODE SE ESTILHAÇAR DO DIA PARA A NOITE SE FOR FALSO BRILHANTE OU OFUSCAR DEMAIS OS FALSOS BRILHANTES. DIAMANTES VERDADEIROS SOFREM LASCAS PARA ATINGIR À PERFEIÇÃO QUE A NATUREZA JÁ HAVIA FEITO E ESSAS LASCAS SÃO PARA DEIXÁ-LO MAIS BELO E ATRAENTE! TENHA SAUDADE, É UM DIREITO SEU E DA NOSSA LUSOFONIA, MAS SÓ O SUFICIENTE PARA MATÁ-LA...


                TENHA ESPERANCA, MAS NÃO ESPERE TER TEMPO. ACORDE CORRENDO, TOME BANHO CORRENDO, PEGUE CONDUÇÃO CORRENDO, ESPERE PARA QUE O TRÂNSITO CORRA, PEÇA PARA QUE SEU DIA CORRA BEM, COMA CORRENDO, VISTA-SE CORRENDO, DURMA CORRENDO MAS NUNCA DEIXE DE TER TEMPO PARA SONHAR... ACORDADO OU NÃO, NUNCA DEIXE DE FAZER O QUE QUISER!


- FIM -


Contrato de Risco

Cidade____________________________________, data____/_____/___________.


Eu______________________________________________________________; Naturalidade_________________________;
Nascido na Cidade de_____________________UF____;
Signo de_______________Nascimento____/____/_____
RG___________________,CPF___________________
Solteiro(a) - (até o presente momento).

Venho por meio desta especificar as condições cabíveis para ambas as partes conforme conversa obtida referente à namoro com validade de 1 (hum) ano para que assim possamos saber como somos, no que tange à sazonalidade do nosso calendário cristão e seus feriados como Páscoa, Natal, Carnaval, Aniversário de primos, Churrascos de amigos, Festas de Empresas, Posses de Síndicos, Bingos Solidários, Possíveis Velórios, Viagens para Casas de Praia ou Campo, Apresentações Teatrais, Ensaios, Reuniões, Congressos entre outros). Esse contrato pode ser rescindindo uma vez que ambas as partes não concordem com mais de 50% das imposições. Uma vez completado o prazo citado acima, os cônjuges partirão para a próxima etapa que é a de noivar-se, porém desta vez já procurando logradouro e preocupando-se com igrejas, templos, cachoeiras, praias desertas, campos de golf, quintais, casa de parente rico e/ou buffets sem esquecer da lista de convidados, chá de cozinha, elaboração convites, em caso de gestação, nome da criança e outras coisas que a vida se encarregará. Lembrando que a quebra deste contrato sem valor jurídico algum mas sim sentimental, implicará apenas em decepção para ambas as partes uma vez estando apaixonados obviamente; Tendo direito a choro e “fossa” de uma semana apenas, telefonemas apenas durante essa semana para matar a saudade da voz e prometer desde já serem amigos para sempre. Uma vez que ambos são adultos e já namoraram por longa data, alguns erros serão evitados pela vivência adquirida em viagens, passeios, sessões de cinema, universidades, amiguinha(o) confidente, papel de carta, diário, SMS, Orkut, Facebook, Twitter, MSN, Skype e senhas compartilhadas. Seguem abaixo o que não gosto, ou não admiro em cor vermelha e o que gosto e admiro em uma mulher na cor preta:

          Escândalos
        Traição
        Mentiras
        Falsidade
        Me impedir de sonhar
        Querer ir embora quando está bom
        Querer ficar quando está ruim
        Ciúmes
        Bater telefone na cara
        Decifrar a cara fechada
        Atrasos
        Reclamar de coisas que eu não posso resolver  como:
      “Minha tia   avó é foda...”
        Desrespeitar minha família e amigos
        Dependência total e abusiva
        Diminuir minha profissão (segue em anexo meus curriculuns)
        Falar de ex-relacionamentos em abundância e com ênfase
        Reclamar que está gorda,  com celulite, estrias, olho de peixe...
        Falar de futebol com sogro(a) e/ou parentes e amigos
        Falar de futebol
        Jogar futebol
        Assistir futebol
        Esportes radicais
       Exigir que eu troque resistência de chuveiro, botijão de gás e tire sapos e demais anfíbios de qualquer lugar que estejamos.
      Passeios que fujam da nossa faixa etária indo de Hopi Hari a Pousada do Rio Quente.
      Tentar me convencer mais do que três vezes que vai ser legal alguma coisa.

Carinho
Abraço gostoso
Segurança
Respeito
Dar apelidos
Sensibilidade
Dizer o que pensa na hora, e sem medo de me ofender do tipo: amor vamos, amanhã trabalhamos cedo, estou com cólica, estou assim por causa da minha tia avó, ou até mesmo casos mais drásticos do tipo: " - amor, estou lá no carro e pede desculpas por mim, eu achei que fosse apenas um pum..."
Desabafar
Chorar está totalmente permitido quando a emoção aflorar
Ser confidente
Senso de humor refinado e agri-doce
Nunca esquecer de como foi a primeira vez que a gente se viu
Me apresentar para as pessoas, e não me deixar sozinho em locais citados acima.
Brigar ou discutir por besteira do tipo: " - a Anna Hickmann estava te olhando a festa inteira que eu vi...
Dizer e fazer o que deveras sente e de coração; em atos ou palavras.
Ser amiga da minha mãe, pai, irmã, irmão, cunhado, sobrinhos, madrasta e minha
     cadela, lembrando que estou aberto para agir da mesma forma.
Sorrir e gargalhar
Topar rachar contas quando um de ambas as partes estiver desprovido financeiramente.



______________________________________
Assinatura.

- FIM OU COMEÇO -


                       "Tchekcoviando"         


Autor: Romulo Crescente
Setembro de 2010

         Na noite anterior do dia mais feliz daquele ano, dois amigos estavam sentados conversando sobre as mazelas da solidão. Nicolay Crevitchenko desabafava e ouvia os mesmos desabafos de seu fiel amigo Rodriovicht Kasparov. Os dois conversavam e concordavam de todas as observações mutuamente chegando a mesma conclusão a cada segundo, falavam como se tivessem certeza de que um gênio bom ou uma espécie de anjo estava nas duas cadeiras de cedro vazias.
Entre goles de vodca e petiscos de pepinos avinagrados, os dois se queixavam de como seria terrível passar pela primeira vez o impiedoso inverno moscovita depois de anos de convivência com outras donzelas. Eles se murmuravam para que as outras mesas não ficassem a par do que estava sendo abordado entre eles, diziam que seria pavoroso viver esses meses sem afeto, carinho, atenção, calor humano, abraços sinceros e palavras de acalanto e até  mesmo as discussões corriqueiras para ver quem fica com a maior parte da coberta. Esse par de amigos almejavam o dia em que as quimeras que subiam ao céu em forma de bailaricos de fumaça do tabaco que fumavam se tornassem táteis.
Quando depois de algumas horas e depois da corpulenta garçonete serviu a dose de vodca já sem vontade de permanecer no recinto por de certo ter família e marido que a esperasse em casa, fez-se um silêncio sepulcral entre os amigos e os olhos de pêsames se fitaram. Imediatamente Rodriovicht bateu na mesa de roble fortemente como um martelo judicioso dando a sentença final de uma noite de devaneios, engoliu o último trago decididamente, o que foi traduzido perfeitamente para Nicolay. Rodriovicht, sujeito robusto, de face bem definida, traços fortes, barba negra como um poço de pouco dar atenção aos vassalos de qualquer espécie, jogou na mesa sem parcimônia dois rublos e alguns copeques e se levantou vestindo seu abrigo forrado de lã de carneiros e sua Ushanka, o típico gorro que cobre as orelhas e é feito de pelo de urso.
Com a pressa de quem estivesse perdendo o último trem para São Petersburgo, Nicolay vendo aquele agito inesperado interou com um rublo para a gorjeta e se preparou para partir acompanhando o amigo apanhou da cadeira vazia seu abrigo de couro tártaro e deu três batidas como de costume em seu chapéu de feltro e o colocou laçando em seu pescoço um cachecol de estimação que lhe fora dado por uma de suas paixões. Nicolay era franzino, elegante nos gestos, porém pouco interessante, levemente calvo e de olhos pequenos.
Na tentativa exitosa de romper aquele clima de rusga no ar Nicolay disse pilheriando a Rodriovicht: Amanhã será um lindo dia para se cantar uma bela canção camarada! Rodriovicht abriu um sorriso como se dormira a noite inteira com um cabide em sua boca, ambos se abraçaram como se fosse a meia noite do último dia do calendário ortodoxo e rumaram claudicantes para a porta do estabelecimento para esperar o coche que levaria Nicolay para sua casa. Conforme aumentava o som dos galopes a dupla de amigos fora surpreendida pelo primeiro floco de neve no nariz aquilino de Nicolay. A desesperança abateu-lhes fortemente e a certeza de que estariam sozinho àquele inverno estava tornando-se realidade. Olharam-se como se participassem do ato final de uma dessas tragédias gregas.
A solidão aumentava ao passo de se aproximava a barulhenta troika que dobrava a esquina do cemitério Novodevitchie pois a amizade de ambos era a única coisa que havia de entretenimento além da vida cotidiana e  laboriosa.Antes de que subisse Rodriovicht explanou: Nicolay, reza esta noite para que essa neve não se transforme em dilúvio, pois mesmo com maravilhoso invento do respeitado Noé, não seríamos poupados,pois apenas um casal de cada espécie entraria na arca dele. Riram aos pigarros e se separaram. Nicolay  acenou de dentro do transporte ao passar pelo amigo que morava a passos do local, Rodriovicht decidiu ir caminhando ebriamente e em total silencio. O pensamento era semelhante ao passo que se distanciavam um de dentro da troika e outro caminhando mas pensando em voz surda exatamente ao mesmo tempo: Será que vou encontrá-la neste caminho? Será na próxima esquina?
O mesmo silêncio que Rodriovicht mantinha era exatamente o mesmo de Nicolay para com o cocheiro, apenas olhava as esquinas passando e num ato de ansiedade roeu a unha do dedo indicador de sua mão direita e sentiu o cheiro do tabaco impregnado o que revelava que a noite tinha mesmo sido de conversa e um pouco de deboche.
Observava as casas, as janelas, alguns cães vadios e todo um cenário bucólico que se apresentava quadro a quadro ao som de cascos escorregadios já pelo aumento da neve. Se perguntava. Em qual dessas janelas estará você? Em qual dessas casas agora apagadas pelo adiantar da hora. Em qual? Fazendo juiz as leis da física, a distancia da casa de Rodriovicht e a velocidade cavalgadura que levava Nicolay fez com que chegassem ao mesmo tempo em suas moradas. Ao abrir a porta Rodriovicht soluçou profundo e disse cansado: Quem será você? Sem perceber entraram ao mesmo tempo em suas casas. Nicolay adentrou o recinto que era escuro, e sem alegria em cada peça da mobília, nada de retratos de família, de ex amores, nem um eco sequer ficara registrado nos papeis de parede em tom bege já em tom de papiro queimado pela lamparina que se recostava atrás do divã para as noites de leitura causada pela insônia. Ele evitava como o próprio incesto voltar a casa antes das doze badaladas de qualquer igreja ou sóbrio, pois pensar em silêncio era tudo que menos amava.
O ar era denso e cheirava querosene, tabaco e colônias francesas que considerava, fora a vodca, seu esbanjo financeiro no afã de recordar as donzelas apenas em memória olfativa. Em um ato cotidiano e sem perceber abriu seu armário como um altar e se serviu da última dose da noite. Erguendo os braços para uma janela embaçada disse em voz alta: Essa vai para você minha doce desconhecida que irá me salvar desse inverno implacável! Virou a dose de vodca e caiu nos braços de Morpheus sem mesmo se despir como se fosse atingido no queixo por um pugilista romeno. Já na residência de Rodriovicht o clima era materno que ele fizera questão de conservar nos mínimos detalhes como a singela decoração, bibelôs, cinzeiros de cristais venezianos, samovares diversos calentar as noites de fevereiro, um ovo fabergè que ganhara de um tio de posses quando se batizou descansava na cômoda perto do divã onde pensava em tudo que sua mente sussurrava de bom e de ruim, rendas bem bordadas por sua avó materna cobria o velho piano deixado pela mãe que parecia vibrar ainda fruto das muitas vezes que ela tocava as kzardas nas datas especiais e de júbilo.
Era um verdadeiro oráculo cheio de fotos de família, alguns poucos amigos e sua infância estava ali para sempre registrada, porém havia nesta alegria e aconchego uma mescla de nostalgia e abandono interior, uma alegria congelada em algum tempo, em algum inverno. Pendurou o pesado abrigo em um mancebo que já estava molhado pela neve que se derretera olhou para a alcova que estava sempre impecavelmente arrumada pela única empregada que mantinha e viu a cama muito limpa e convidativa, desejou o dia em que entraria nupcialmente com sua esposa nos braços findando definitivamente aquele solitário inverno que começara.
Após haver colocado seu pijama verde escuro deitou-se, apagou a lamparina que reproduzia sua sombra solitária na parede da sua esquerda, deu um suspiro profundo como os escritos de Platão e disse como se compartilhasse a alcova com alguém: Boa noite minha querida, seja lá quem você for minha linda! Estalou um beijo no ar sem resposta e após 17 roladas para cada lado conseguiu adentrar o mundo do possível para ele.
A gélida madrugada embalou a noite de sono dos amigos até que veio a aurora tímida primeiramente tingindo a noite negra e sem estrelas de um violeta singelo e logo se transformou em um alaranjado anunciando a chegada do preguiçoso astro rei que tentava sem êxito aquecer a manhã. Os pássaros já gorjeavam quando Rodriovicht se espreguiçava em seu leito como um felino e mesmo sonolento, já constatava que era uma manhã corriqueira e monótona de domingo sem a tão almejada donzela ao seu lado para desejar-lhe bom dia ou fazer-lhe um mimo em forma de aroma de chá e ovos vindos da cozinha. Sem muita pressa, sentou-se à beira da cama por alguns minutos olhou para o cenário que o rodeava como se admirasse o teto de uma basílica com seus afrescos. Reproduziu um leve muxoxo e se levantou rumo à janela da alcova e pôde perceber ao abrir a pesada cortina rubra que a neve havia cessado e que o sol trazia certa alegria para os transeuntes do lado exterior. Num gesto sem raciocinar encostou a cabeça no vidro da janela que permanecia frio e bocejou como um tigre visto na jaula dos circos, o que provocou embaço, Rodriovicht num ato lúdico esboçou com o indicador da mão destra o sinal da interrogação e ficou olhando até que o frio interno apagasse o sinal.
Coçando uma das vistas se dirigiu ao lavabo para assear-se, ao passo que lavava o rosto fitava no espelho sua face sonolenta e com riso de deboche repetiu em voz alta aproveitando a acústica perfeita da intimidade do lavabo a seguinte frase por  três vezes em distintas entonações; primeiramente feliz, seguido de ironia e por fim desanimado e verdadeiro como seus sentimentos, ele dizia: Bom dia Rodriovicht Kasparov, seu paspalhão! Tomou em suas mãos as lâminas e reparou as falhas da barba e pescoço. Estralando os ossos do corpo inteiro foi ligando a ducha que trouxe uma chuva quente e muito vapor o que o motivou a cantarolar algumas áreas de ópera que gostava de pequeno.
A alegria inexplicável foi aumentando ao passo que saiu do lavabo envolto ao vapor e se enxugou ainda entre murmúrios de velhas canções que lhe vinham a mente. Escolheu logo o traje que usaria já premeditando não voltar à casa pensou no que seria adequado para o dia e também para a noite, vestiu-se como se fosse receber um diplomata na estação de ferro. Vestiu as luvas de pelica, o gorro cinza de pelos de coelho forrado com lã entre outros detalhados adereços que compunham um típico senhor de respeito. Abriu o antigo armário e vasculhou até encontrar o velho castão herdado de seu avô que ostentava a cabeça de um ganso em prata maciça. Bateu três vezes no chão do cômodo como se costuma fazer antes de uma grande apresentação exigindo a atenção de todos e saiu disposto a tomar o desjejum fora de seu lar.
 Já na alcova de Nicolay, o sono tardou um pouco mais para findar-se, roncava como um velho urso até que saindo de dentro da sala de estar da vizinha, o som desafinado das cordas de um violino amador cruzou o corredor das residências e como um vírus transpassou todas as frestas e gretas até atingirem como um dardo os ouvidos de Nicolay. Com os dentes cerrados e amargor na boca balbuciou tapando o rosto com o travesseiro: Obrigado por me lembrar que é manhã de domingo professora Katiusha! Depois de três socos na própria face coberta pelo travesseiro, saiu do leito na mesma rapidez de um militar ao ouvir a corneta da alvorada.
A velocidade que levantara lhe causou tontura e o fez recordar a noite de deboche e a ressaca causava secura no palato e garganta. Cambaleante de sono  rumou para o cômodo de banho acompanhado de muito mau humor, quase sem dar tempo do frio atingir o corpo nu despiu-se de modo assaz e rodou a enferrujada válvula que trouxe calor a alma e ao ambiente repleto de umidade no teto e nas paredes. Ao passo que a água  lhe caia sobre a cabeça  Nicolai olhava hipnoticamente o ralo e tentava recordar o sonho que tivera, o frio começava a cessar  e o mesmo dardo desafinado que lhe acordara se transformou em uma melodiosa valsinha entre peliscatos, desta vez tocada não pela principiante aluna de Katiusha, mas sim pela virtuosa professora; o que fez com que até ensaiasse alguns pequenos passos cautelosos de valsa e trouxe alegria momentânea. Saiu do banho e se enxugou ao som de outra melodia inspiradora que acompanhou a barba que fazia minuciosamente com as lâminas entre enxugada e outra do espelho embaçado pelo calor do banho. Abusando da loção francesa recém comprada aplicou na face alguns tapas para amenizar o ardor e foi se vestir.
A aluna tronou a reproduzir o som de inseto que saia de seu violino, mas isso não desanimou Nicolay o que até lhe causou frouxos de riso apiedando-se da jovem aluna. Entre silvos vestiu a casaca, a cartola que costumava usar em ocasiões especiais como bailes ou bodas de algum conhecido, lembrou-se das abotoaduras douradas na gaveta, sentou-se no divã e calçando as negras botas de couro refletiu: Para onde estou indo? A musica aumentava com o dueto entre professora e aluna na habitação ao lado e ele não titubeou na resposta: Para qualquer lugar, aqui é que não ficarei! Colocou o pesado sobretudo e saiu às pressas como se tivesse hora marcada no dentista. Já na calçada, a luz do sol penetrou-lhe as vistas como flechas, e o frio estalava, porém não se abateu e seguiu a caminhada sem rumo. Cada donzela que cruzava, ele desejava com um leve toque na cartola: Os bons dias! E elas apenas davam com a cabeça sem qualquer interesse, já as senhoras acompanhadas dos esposos ele dirigia o desejo de bons dias ao cavalheiro que retribuía rapidamente e sem sorriso qualquer nos lábios ocultados pelas barbas.
Entre as largas passadas de perna, pôde perceber que os sons da manhã de pássaros e cascos de cavalos eram substituídos pelas batidas de seu coração que aumentavam até chegar ao ponto de só perceber esse retumbante e involuntário ruído. Uma forte dor de cabeça começou a latejar e o suor frio lhe correu pelas costas agasalhadas. Sentiu vontade, necessidade de se alimentar e desejou comer batatas e tomar algum chá com ervas fortes. O fator principal do mau estar causado pela noite anterior de exagero com o amigo Rodriovicht teve seu ápice quando uma jovem e inocente donzela cruzou velozmente seu caminho deixando no gelado ar o rastro de sua colônia que entrou nas narinas de Nicolay como amônia, fazendo seu estômago embrulhar com a mistura das fragrâncias.
Ele se arrependera de haver desejado os bons dias para a jovem. Entrou repentinamente no primeiro estabelecimento que avistou como se escapasse de um algoz. Seu mau estar começava a diminuir uma vez que os aromas desejados pairavam no ar já aquecido do local. A saliva do apetite substituiu o gosto amargo na boca. As batidas do coração estabilizaram e a dor de cabeça desapareceu quando o amigo Rodriovicht disse em voz operística: Os bons dias amigo Nicolay! Já sem sintomas, fez o pedido a atendente e sentou-se com o amigo. Trocaram elogios das vestimentas e riram honestamente. Rodriovicht estava com um jornal sobre a mesa e havia um samovar fervilhando. O pedido de Nicolay chegou sem tardar e ambos amigos tomaram um farto desjejum comentando de como havia sido a chegada as suas moradas na noite anterior. Entre as mastigadas de um pão com passas e frutas ressequidas, Rodriovicht disse entusiasmado como se houvesse decifrado um enigma ou se encontrasse a solução para todos os problemas da humanidade. Ele disse segurando as migalhas que escapavam-lhe da boca apontando para o jornal Novoye Vremya. É isso! Hoje vamos ao teatro Nicolay!  No rompante do amigo, Nicolay quase engasgara-se com o gole de chá, porém o assunto interessou e muito.
Tratava-se da apresentação de um conhecido ator Italiano chamado Garofalli que triunfara no Teatro Alexander de São Petersburgo dando projeção a sua carreira fazendo dele um verdadeiro astro com suas participações em montagens clássicas, no caso este ator estaria uma única noite em Moscou com o monólogo de um jovem autor francês que passara trinta e seis anos de sua vida internado em diferentes manicômios da França. O relato desses penosos dias vividos trouxe ao autor um ponto de vista polêmico sobre o sentido da sociedade, vida e postura atuais que seria reproduzido pelo afamado ator. Mesmo com esse enunciado pouco convidativo para a realidade solitária dos amigos, que por sua vez preferiam mil vezes aplaudir uma comédia para esquecer quaisquer tipos de mazelas, decidiram ir ao teatro juntos para ocupar a cabeça com outras coisas além de suas vidas e para gerar assuntos adversos aos  que já estavam habituados.
Entretanto havia um fator que incomodava, a apresentação estava marcada para as oito horas da noite, e ambos simultaneamente pensaram alto ao ler as últimas linhas do anúncio. ''O que fazer até as oito horas da noite?'' O silêncio sepulcral se instalou na mesa e durou aproximadamente vinte minutos, ora era rompido pela troca de um cinzeiro, ora pela reposição de uma xícara de chá ou o cumprimento de algum conhecido que se levantava ou chegava. O ambiente aconchegante começava a se tornar tedioso. Rodriovicht disse coçando a barba: Ir ao teatro sem uma dama é algo pavoroso! Nicolay como se estivesse dentro dos pensamentos do amigo concordou movendo verticalmente o crânio para cima e para baixo três vezes vagarosamente com a boca como se beijasse o ar.
Voltou o clima enfadonho porém o silêncio não durou mais do que cinco minutos rompido bruscamente pelo bimbalhar da sineta da porta do estabelecimento. Entrava uma figura que chamou a atenção de todos que ali estavam. Era um sujeito alto, esguio, de traços finos e andar decidido, o homem acomodou o pesado sobretudo visivelmente procedente de terras distantes pela cor e caimento e pousou-o sobre o mancebo, tirou o gorro e se dirigiu até o balcão e entregou seu alforje para a mulher atrás do balcão e murmurou-lhe algo em baixa voz que fez com que a atendente  nitidamente não ter ciência de seu pedido. Depois de uma breve pausa o homem olhando para as prateleiras pediu um chá de flores egípcias e ela voltou a dar com a cabeça que não havia na casa. O homem debruçou sobre o balcão e esclareceu a ignorante atendente de face rosada pela vergonha que flores egípcias era o mesmo que a tão vulgarmente conhecida camomila, ela gargalhou alto o que chamou mais a atenção de todos e gerou curiosidade.
Segurando a xícara e o pires o homem sentou-se a mesa ao lado dos amigos Sua postura era taciturna, porém seu olhar que não parava de fitar os amigos trazia certa inocência e ternura jocosa. Incomodado Nicolay disse entre dentes a Rodriovicht: Que diabos esse forasteiro perdeu nesta mesa? Rodriovicht riu baixo e disse: Nada, esqueça-o! E abriu reproduzindo o som como de um leque o jornal que já havia lido apenas para disfarçar o clima desagradável. Quando já não havia mais desculpas para o hipnótico olhar, ele bateu na mesa e disse: Será que a vodca e o maldito frio russo congelou vossos cérebros? Assustados os amigos prepararam-se para o pior e arrastaram as cadeiras, porém subitamente reconheceram por trás daquela figura o velho amigo Ivanovich Zingarovsky que estudara com eles na adolescência. Depois de um longo abraço como se estivesse o amigo exilado, sentaram e Zingarovsky contou de suas andanças pelo globo terrestre e disse a respeito de seus estudos de alquimia e das curiosidades existentes além das fronteiras geladas da velha mãe Rússia. Ao passo do tempo os dois amigos ouviam as histórias do querido amigo que há muito não escutavam a sutileza no tom de voz e da persuasão na riqueza de detalhes de cada tema discorrido. Nicolay e Rodriovicht prestavam atenção como se estivessem presenciando um sermão ortodoxo embalados pelo cântico znamenny.
Após descrever os diferentes climas, aromas e paisagens sem parcimônia de detalhes, o assunto começou a pender para um tema que iria acabar por ser abordado. “As mulheres”. Obviamente assunto este questionado pelos dois amigos assolados pela carência. Zingarovsky deu uma longa e pigarrenta gargalhada, tirou do bolso do colete um relógio com desenhos em alto relevo na prata que reluzia e disse: Já percebi que o assunto vai passar da hora do almoço cavalheiros. Nicolay disse com a confirmação ansiosa de Rodriovicht que não havia problemas com as questões de tempo, já que o único compromisso que tinham era a apresentação de teatro que iriam assistir ao começo da noite. Rodriovicht aproveitou para convidar Zingarovsky para que os acompanhassem caso fosse de seu agrado. Em tom simples e sem qualquer intenção de se gabar para os dois, Zingarovsky agradeceu o convite e reiterou assistido a montagem da peça em um festival de teatro ao norte da África em um pais de domínio espanhol chamado Marrocos pais este que as mulheres se cobrem da cabeça aos pés expondo apenas os olhos.
Nicolay e Rodriovicht se aproximaram dos talheres para que ninguém os ouvisse e disseram em uníssono e em tom de galhofa: Apenas mostram os olhos? Zingarovsky fitou o fundo da íris dos olhos dos dois amigos e  inspirou profundamente e de olhos fechados disse: Ah meus amigos, vocês não imaginam o que são aqueles olhos! Como se lá estivesse, Zingarovisky continuou: Alguns são assustados, arredios, quase nunca lhe fitam ao cruzar por elas pelas estreitas vielas. Já outros são penetrantes, felinos, aguçam e incitam nossa curiosidade e desejo. Desta vez a cara dos amigos era a mesma de uma criança que escuta pela primeira vez uma caixa de músicas. Zingarovsky contou também de sua passagem pela Índia, pais de domínio inglês e que era peculiar no que se tratava de beleza feminina, a diversidade era plena e não se assemelhava em absoluto com as do norte da África.
Ora eram cobertas, ora não. A maquiagem dos olhos era totalmente diferente e não só pintam os olhos e sim a testa, a ponta dos dedos e artelhos, anéis traspassavam-lhes o nariz, coloridas e pacíficas. Esses olhares já não causavam a mesma sensação do Marrocos, pois naqueles olhos havia algo de casto, puro, divino e respeitoso. Porém quando dançavam e cantavam em homenagem aos diferentes e incomensuráveis Deuses que eram metade humano e metade animal era de se aplaudir por dentro. Exóticas e intocáveis como os animais que não se movem do lugar onde estão para dar passagem a qualquer Homo Sapiens. As faces de Nicolay e Rodriovicht começaram a se transformar de criança que escuta caixinhas de música a de lobos de olhos claros do norte da Sibéria. Uma pausa se deu e Zingarovsky estalou o dedo médio com o polegar reproduzindo um verdadeiro estampido semelhante a de um revólver Nagant que imediatamente chamou a atenção da obesa atendente do Central Kávéház à mesa. Zingarovsky, como nos tempos do colégio, usou de sua melhor e mais destrutiva arma que era a pilhéria com desenfreada rapidez de raciocínio e disse a rechonchuda: O que mais causa alegria a um cão sem raça, dono e rumo que vaga pelas escorregadias ruas moscovitas nas noites de janeiro minha senhora? Após piscar repetidas vezes como se dentro de sua cabeça estivesse fazendo a divisão aritmética de quatrocentos e trinta e oito por nove ela disse: Como? Zingarovsky sorriu e com ar de escusas disse-lhe: Esqueça a história do cão e apenas traga carne de caça, repolho e batatas para esses dois famintos. Indagando a garçonete disse: O mesmo para o senhor?
Zingarovsky disse que apesar de não estar transparecendo fome como os dois amigos, pediu o mesmo porém sem o repolho alegando já estar farto de folhas, ervas e coisas pastosas. E enquanto a refeição ia sendo preparada e o convidativo aroma ia tomando conta do ambiente, Zingarovsky perguntou se a curiosidade pelas musas inspiradoras pelo mundo a fora havia cessado. Nicolay olhou para Rodriovicht e riram como verdadeiros adolescentes e deram com a cabeça negando a ausência de curiosidade. Nicolay perguntou qual o olhar possível e Rodriovicht quis saber do olhar proibido. Zingarovsky respondera a Nicolay que o olhar mais doce, sensual, libidinoso e possível de se realizar um sonho de uma vida inteira são os das indígenas da região da polinésia, algumas fitam e convidam com o movimento cadenciado das cadeiras e cascas de uma fruta chamada coco tapa-lhes os seios e algumas usam flores de diferentes cores entrelaçadas em suas negras e lisas melenas. E para Rodriovicht ele disse do olhar mais terrível que se pode fitar que são os das ciganas do sul da Espanha, pois as conseqüências são fatais, o mesmo sonho que as da polinésia causam na vida de um homem, no caso das ciganas andaluzas são na mesma intensidade pesadelo de tão avassalador e apaixonante que são, porém proibidos, cheios de magia, feitiço, hipnose.
Uma vez apaixonado por elas, a vida pode perder o sentido pois elas nunca se apaixonam por estrangeiros ou por quem não seja de seu povo e raça. Os olhos queimam quando elas encaram desafiando-nos, especialmente quando elas estão dançando com seus vestidos assemelhando-se a uma fogueira, e quando começam a cantar franzindo a testa um lamento profundo que entra em nossas correntes sanguíneas e nos faz perder a razão e ainda batem palmas e  sapateiam com toda a força fazendo com que tudo que estamos sentindo aumente na mesma intensidade. A refeição começou a ser servida e os três amigos brindaram com vodca destilada da beterraba e almoçaram vorazmente celebrando àquele domingo que a vida lhes tinha proporcionado.
Entre garfadas e goles, Zingarovsky pôde em algumas horas mostrar-lhes o mundo através de suas descrições e vivências. Durante o almoço falava do norte, sul, leste e oeste do mundo, falava das curiosidades jamais por ele suposta como fios em flores de cor arroxeadas e que serviam de tempero e tinham valor superior ao da refeição que degustavam no momento. Falou também das diferentes fisionomias, das tribos  com seus peculiares rituais, dos costumes e diferença idiomática. Disse do calor insuportável que existe em algumas regiões e do suportável e semelhante frio russo em outros lugares, contou-lhes de diferenças significativas como aves coloridas e que reproduzem sons semelhantes aos dos humanos e de semelhanças espantosas como campos de girassóis iguais aos do interior da Rússia. Sem que percebessem, o sol começava a intimidar-se e a tonalidade do céu vista da janela do Central Kávéház já era opaca e pouco inspiradora. Pediram então licor de airela para continuar a conversa.
Ao dar o primeiro gole Nicolay perguntou se Zingarovsky, sabia algo a respeito de um desenho que havia visto em uma das publicação da revista Severnyi Vestnik e que a palavra "odalisca" não lhe saíra da cabeça desde então. Euforicamente Rodriovicht notando certo cansaço de Zingarovsky aproveitou o para saber se ele havia visto as nativas de terras descobertas por europeus e que andavam com suas partes íntimas expostas conforme havia lhes dito alguns professores nos tempos de colégio. Zingarovsky deu uma única e definitiva golada no licor e olhou para os amigos e disse pausadamente: Por mais que eu descreva e explique sobre o mundo e principalmente das mulheres que tanto os aflige, não será suficiente para suprir a curiosidade que habita vossas mentes. E continuou: Vou lhes dizer uma coisa que quero que guardem como uma pérola rara, o mundo tem muita coisa para ser apreciada, mas lembrem-se de que o céu apesar de nuances de coloração e diversidade de constelações, ele sempre esteve, está e estará no mesmo lugar. E assim são as mulheres. Apesar de todas as diferenças, costumes, perfumes, formas, penteados, nuas ou cobertas da cabeça aos pés, são como eu e vocês na essência, seres humanos.
Quando Nicolay tentou balbuciar algo Zingarovsky apontou seu dedo indicador da mão direita Mara o centro da mesa e sem tirar os olhos do seu dedo ordenou em tom de voz militar que os amigos mostrassem-lhe as palmas das suas mãos esquerdas. O ambiente se transformou em um pogrom com aquela ordem, mas, Rodriovicht e Nicolay sem titubear acataram. Zingarovsky como se estivesse com uma caneta tinteiro desenhou no ar algo direcionado a mão de Nicolay e logo fez o mesmo com Rodriovicht. Calmamente levantou-se e com sorriso nos lábios se despediu dos amigos sem abraços mas sim com um gesto diferente e jamais visto pelos dois catatônicos e estáticos. Zingarovsky juntou as duas mãos e baixou a cabeça rapidamente em direção às próprias mãos e disse pros amigos: Podem guardar a mão seus bonachões e não percam a hora da apresentação teatral de hoje. Rodriovicht perguntou onde ele iria e Zingarovsky disse que iria para Melichovo pouca coisa ao sul de Moscou para por em prática seus aprendizados de alquimia.
Dirigiu-se até o balcão, pediu seu alforje e tirou do bolso alguns rublos e entregou à mulher que lhe sorriu e desejou-lhe boa tarde. Vestiu seu gorro e seu pesado casaco e saiu do local. Os amigos ficaram sentados e pensativos, relembrando as coisas que haviam escutado do amigo que há muito não viam. Ainda apresentando certo grau significativo de catatonia pelo fato ocorrido com a palma das mãos os amigos decidiram deixar o ambiente para irem ao teatro já que a noite começava a surgir. Depois de saber que Zingarovsky pagara toda a despesa, pegaram seus pertences e saíram. Na calçada e já bem agasalhados Rodriovicht pergunta a Nicolay: Quem será ela meu amigo? E Nicolay aconselha o amigo a não pensar nisso e apenas se entregarem ao entretenimento que a noite oferecia-lhes. Depois de aproximadamente trinta minutos de caminhada e de desejos de boa noite a inúmeras damas e senhoritas que lhes cruzavam o caminho, chegaram ao Teatro de Arte de Moscou. Compraram as entradas e ainda em silêncio verbal porém não de pensamentos, aguardaram sem ansiedade no foyer do Teatro. As pessoas começavam a chegar e os odores se misturavam no ar que unia fumaça de charuto, colônias importadas da França, hálito de vodca, champanhe e outros néctares, além da pele dos casacos e das estolas das damas que costumavam freqüentar as noites do Teatro de Arte de Moscou.
Os dois amigos se deslumbravam com a decoração do local e olhavam ao mesmo tempo os casais que chegavam e não conseguiam disfarçar o sentimento mais natural do ser humano que é a inveja. Mas uma inveja não semelhante a de desejar aquela mulher que está ao lado do cavalheiro ou mancebo mas sim a inveja de querer uma que lhes fosse merecedora. Já sem assunto por terem passado toda a tarde com o amigo Zingarovsky, conferiam inúmeras vezes o bilhete entrada da apresentação e analisavam o número da poltrona administrando a ansiedade de estarem ali, apenas os dois e sem uma companhia feminina. Curiosamente o número das poltronas não era compatível, o que denunciava que se sentariam separados. As portas do teatro se abriram pontualmente as oito horas da noite. Entre murmúrios o público foi adentrando o local que estava com as cortinas vermelhas em tom escuro do palco fechada e a platéia estava a meia luz.
As pessoas procuravam seus assentos e os amigos faziam o mesmo. Nicolay achou sua poltrona na parte de trás do teatro, já Rodriovicht se sentara à frente. As poltronas ao lado dos amigos continuavam vazias, o que gerava mais expectativa e o que os obrigava ainda mais a checar os bolsos e olhar mais uma vez o ingresso no afã de demonstrar segurança e tranqüilidade. O público continuava com seus murmúrios e tosses, quando de repente uma campainha soou anunciando que em cinco exatos minutos dar-se-ia o inicio da apresentação. A luz da platéia baixou um pouco mais do que o normal deixando o ambiente já propicio a sonhar e se deixar levar pela história que seria contada pelo afamado ator. Passados os cinco minutos, ouviu-se três toques seguidos da mesma campainha anterior e junto com a luz da platéia que baixou repentinamente a esperança dos amigos se fora junto pois as poltronas continuavam vazias como os próprios corações. A ranger da cortina pesada tomou conta do lugar e se abriu vagarosamente denunciando um ator de terno lendo um livro, com bonecos pendurados por cordas vindas do teto do palco que giravam pelo movimento do ar que circulava.
O ator começou dizendo coisas que não eram facilmente compreendidas pela plateia e muito menos pelos dois amigos que estavam com o pensamento em qualquer lugar, menos naquele. A peça teatral continuava e a cada minuto que decorria Nicolay já se conformava que a noite seria aquela e daquele jeito, sozinho. Porém o encontro com o amigo de adolescência começava a equilibrar a tristeza que começava a assolar-lhe. Já à frente das poltronas Rodriovicht roia as unhas e tentava se concentrar nas falas do ator que folheava livros e dizia que a loucura era algo que poucos compreendiam e ao mesmo tempo culpava os espectadores pelo que ela, a personagem, estava passando. Falava de hipocrisia, valores sociais, padrões a serem seguidos, real e ilusório entre outras coisas que incomodavam a muitos que estavam lhe assistindo, porém, Rodriovicht telepaticamente pensava o mesmo que seu amigo Nicolay, que a noite não lhe serviria de nada, apenas puro entretenimento, e o que lhe salvara o dia foi o encontro com o amigo de longa data. Quando a peça estava caminhando para a sua metade, surge uma figura feminina na penumbra da platéia e se senta rapidamente ao lado de Nicolay.
Depois de muito procurar pelo lugar, ela em tom de voz muito baixo quase cochichando, pediu desculpas a Nicolay pelo estorvo causado. Nicolay sem entender e já com o coração acelerado pela inebriante fragrância que exalava a jovem ao seu lado, murmurou-lhe sem deixar de olhar para o palco que não havia motivos de escusas. Ela produziu som de riso e disse que se nome era Olga Leonardovna, e que era atriz e que se atrasara e que achava isso uma atitude de movais ton. Nicolay mantendo a postura de cavalheiro disse-lhe, já sem prestar definitivamente atenção na função do ator, que a peça estava chegando a metade e que a história era confusa e não passava da figura de um louco querendo convencer a todos que ser aquilo era normal. Mesmo sem ver a jovem a seu lado, Nicolay já começava a sentir empatia e mais que isso, a moça parecia pensar o mesmo. O ator começou a se despir no palco e ficou nu, o que gerou polêmica aos demais fazendo com que alguns até se retirassem do ressinto. Olga aproximou-se ao ouvido de Nicolay e perguntou se ele estava acompanhado. Imediatamente Nicolay disse que não e a moça tomou uma atitude que fez com que ele tremesse da cabeça aos pés.
Ela pegou na mão direita dele e disse que estava com muito frio. Nicolay congelou com a atitude da dama mas não se mexeu, deixando que as mãos frias se tocassem. Repentinamente um acordeonista começou a tocar uma canção francesa nostálgica, ao passo que o ator nu e suando e dizia sem parar seu texto. Nicolay embalado pela música, começou a acariciar sutilmente e respeitosamente a mão de Olga, o que fez com que ela tomasse outra atitude inesperada repousando a cabeça sobre seu ombro direito. Nicolay sentia cada vez mais próximo a fragrância e seu batimento cardíaco desta vez passava dos limites na mesma intensidade que o ator dava gritos bradava ao falar de tratamento de choque que fora submetido pulando e ofegante no palco. Nicolay suspirou profundamente e disse a Olga que não tinha vontade de ouvir uma resposta negativa a respeito de sua condição matrimonial, mas perguntou-lhe se era possível, apenas no decorrer daquela apresentação, ela ser seu par.
Olga nada respondeu e apenas apertou fortemente a mão de Nicolay e aconchegou-se mais em seu ombro. Mesmo sem ter ciência da figura na penumbra ele se aconchegou na poltrona e acariciava com sutileza a mão de Olga e assistiam a apresentação. Emocionado pelas palavras do ator e imbuído pela dramaturgia do autor francês, Rodriovicht mesmo com a poltrona vazia a sua direita esqueceu da mazela da solidão e mergulhou na história, ora identificando-se com a obra ora discordando. Quando a apresentação chegou em seu ápice final, momento esse que o ator gritou alto fazendo com que sua voz reverberasse por todas as paredes do teatro: O futuro a Deus pertence! A o acordeonista entoava uma canção no idioma francês que aumentava na mesma intensidade da voz do ator e a luz foi baixando lentamente até o escuro total fazendo com que os aplausos reproduzissem o mesmo som de uma tempestade de granizo sobre um telhado.
Quando a luz da plateia foi acesa, Rodriovicht já em pé aplaudia com os braços e couro cabeludo arrepiados pela emoção e enxugando as lágrimas dizia aos brados: Bravo! Mais ao fundo do teatro Nicolay aplaudia em pé igualmente porém com a cabeça virada para a sua direita para saber quem era Olga sob a  luz, o que ele imaginava era inferior à realidade. Olga era simplesmente linda, boca pequena, pele branca e melenas negras como seus olhos que fitavam Nicolay da mesma forma. Ainda ao som dos aplausos e brados de bravo para o ator, se beijaram transmitindo para si cada aplauso, como se o espetáculo se desse nas poltronas e não no palco. Já de mãos dadas saindo da sala do teatro, Nicolay e Olga encontram Rodriovicht no foyer que nitidamente engole seco e disfarça da melhor forma possível sua inveja. Nicolay apresenta Olga ao amigo que sorri com os lábios porém olha com tristeza para a moça, sabendo que essa seria até um período de adaptação com Nicolay uma criatura que iria esfriar a amizade dos dois.
Não sabendo identificar o que estava sentindo, se era inveja, ciúmes, vergonha, tristeza ou alegria pelo amigo, atabalhoado, Rodriovicht beijou a mão de Olga e abraçou Nicolay e disse-lhe ao pé do ouvido: Não se preocupe comigo e seja feliz! Ao ouvir aquelas palavras, Nicolay ficou comovido e estava confuso, pois havia certa tristeza em deixar o amigo ir só pra casa e não poder comentar nada a respeito da apresentação que acabara de assistir. Saíram do teatro e esperavam o coche, Rodriovicht uma vez mais lhes acenou e seguiu caminhando. Olga imediatamente gritou: Rodriovicht! O grito de Olga chamou a atenção de todos inclusive dos amigos. Olga o convidou para que fosse junto a eles no coche. Rodriovicht indicou que não e disse que queria ir caminhando para casa para pensar mais a respeito do que havia ouvido no espetáculo. Nicolay disse a Olga que ele era assim mesmo e que respeitasse. Entraram no coche Olga e Nicolay e não se contiveram em continuar os beijos afobados, fazendo com que o cocheiro ficasse ruborizado. Rodriovicht observou o coche sair a galopes e seguiu sua caminhada para sua morada.
Olhando para os próprios pés entre uma passada e outra, pensava com ar de ironia que a sorte não era para todos de fato, pelo menos não todos os dias e que tudo tinha seu tempo certo. Porém a ironia do pensamento começava a se transformar em blasfêmia quando lembrou do que havia acontecido na mesa do Central Kávéház com o amigo Zingarovsky e o que envolvia a palma de sua mão e a expectativa que aquilo lhe havia causado enchendo de esperança e alegria o vazio que estava passando. E chegou a conclusão de que algo de errado ele deveria ter feito para que não tivesse o final feliz que esperou. O frio começava a aumentar e junto com a neve, uma poeira de textura diferente lhe entrou pelas narinas provocando em Rodriovicht um raro ataque de espirros. Entre um espirro e outro ouviu um pedido acanhado de desculpas vindo da janela do terceiro andar de um edifício ele nunca havia reparado. Ainda espirrando, Rodriovicht disse-lhe que não tinha passado de pura casualidade e seguiu espirrando. A moça gritou: Espere! Rodriovicht estacou porém estava como uma lixeira. Depois de alguns minutos ouviu-se um ruído de trincos e chaves finalmente surge a figura de Lidija Javorskaja. Mulher de cabelos loiros, alta, esguia, solicita e de voz acalantadora que disse a Rodriovicht ser proprietária de uma farmácia no piso térreo do mesmo edifício. Rodriovicht sem entender muito bem já se viu amparado por Lidija e dentro do recinto. Ela lhe ofereceu um elixir para que a tosse cessasse e quando a tosse finalmente deu trégua, Lidija lhe disse que estava já há oito meses viúva. Rodriovicht não conseguiu esconder a alegria de estar ao lado de uma mulher simpática e que estava cuidando dele e que para deixar o clima mais ameno, disse que ele a poderia chamar de Lika, sem formalidades.
O êxtase se deu quando ela lhe confessara que seu maior sonho era o de ter sido mãe. Porém com a morte precoce de Sergey vitimado pela cólera, não conseguiu realizá-lo. Depois de aceitar uma xícara infusão de tomilho, Rodriovicht contou da noite que presenciara no Teatro de Arte de Moscou. Lika também lhe confessou que nunca havia ido ao teatro e que tinha muita curiosidade. Rodriovicht percebendo que estava já o assunto ficando espaçado e a o tique taque do enorme relógio de cedro do Líbano na parede ficava mais alto, especialmente com o silêncio causado pelo adiantar das horas, Rodriovicht deu a entender que iria embora, agradeceu e cumprimentou Lidija, que novamente insistiu que lhe fosse chamada de Lika. Só que desta vez mais meiga e à vontade. Rodriovicht apertou-lhe a mão e a olhou respeitosamente e ao mesmo tempo admirando a sinceridade, simplicidade e ternura daquela criatura. Lidija, estranhando a atitude involuntária que seu corpo lhe demonstrou, e começou a chorar e abraçou Rodriovicht dizendo que não conversava com ninguém desde o enterro do esposo e que por não ter amigas, muito menos amigos e nem parentes em Moscou, aquele momento para ela estava sendo muito especial.
Rodriovicht imbuído pela emoção, abraçou Lidija mais intensamente e lhe disse com a voz trêmula e ofegante, que seria o hipócrita dos hipócritas se fosse embora e permitisse estupidamente que aquele momento único e especial passasse como uma parelha desgovernada e que cabia a ele segurar as rédeas do destino.E continuou em tom absoluto de desabafo, que aquilo que estava acontecendo era tudo que ele vinha buscando durante anos a fio. Ela temerosa pela resposta e envergonhada peta atitude, perguntou se seria incômodo e inapropriado se ele ficasse um pouco mais e lhe fizesse companhia com mais uma infusão. Sem pestanejar e nem perder tempo, Rodriovicht pensou em tudo que seu amigo Zingarovsky havia dito durante o almoço em uma fração de milésimos de segundos. E pesando sua situação e o que o destino havia proporcionado, ajoelhou-se aos pés da dama, que chocada e catatônica logo aceitou o pedido de noivado. Lidija dirigiu-se a alcova segurando a mão que transpirava de tensão e ansiedade conduzindo Rodriovicht para que aquelas duas almas pudessem apenas uma dali em diante. O dia amanheceu chuvoso e atípico para a época do ano. Lidija já estava vestida, asseada e perfumada quando Rodriovicht despertara e lhe perguntou se mesmo apesar do mau tempo, estava disposto irem a igreja ortodoxa marcar a data do casamento.
Como se o sonho tivesse continuidade, Rodriovicht saltou da cama, tomou um banho de 5 minutos e vestiu-se velozmente e desceu à frente de Lika os degraus da escadinha da abandonada farmácia. Abriam a porta com seus trincos, chaves e cadeados. Ao pisarem na calçada, sentiram o clima inóspito e pouco convidativo a passear. Porém eufóricos o casal  abriu o guarda-chuvas, olhou para a janela do apartamento onde haviam passado a noite e deixando que a chuva lhe molhasse a face, simulou um par de falsos e canastrônicos espirros. Lidija lhe deu um fraco tapa nas costas de e disse as gargalhadas: Você está assistindo muito teatro! Depois de rirem da galhofa, seguiram pela calçada. Depois de longa caminhada, sem perceber pelo estado de espírito agradável e leve, por mais que o clima não ajudasse, toparam a Torre Spasskaya na Praça Vermelha onde se encontra a antiga e famosa Catedral de São Basílio onde entraram as pressas para fugir do frio e forte vento.
Depois de falar e acertar a data com o padre de nome Bechara, ajoelharam e aproveitaram o silêncio da catedral, por ser uma segunda-feira. Cada um fez a sua prece e saíram para que Nadja desta vez conhecesse o lar de Rodriovich. Caminharam mais um pouco pela Praça Vermelha e seguiram driblando as rajadas de vento e pingos desta vez mais fracos. Nadja procurava a todo tempo cobrir o pergoço com a estola de pele de zibelina e Rodriovich ajeitava sua velha companheira Ushanka. Ao saírem da praça vermelha, dobraram à direita e quando chegaram à rua Nikol´skaya ulitsa do o outro lado da calçada o casal ouve um grito eufórico o que provocou um risonho falsete. Era Nicolay e Olga. Nicolay encheu os pulmões e gritou para o amigo: Hoje é um excelente dia para se cantar uma canção! Rodriovicht como se fora um cantor de ópera encheu o músculo do diafragma e retrucou-lhe: Definitivamente hoje e sempre será um belo dia para se cantar uma linda canção!

- FIM –

“Sonhos de uma manhã de primavera”


Romulo Crescente 08.12.10

Naquele dia Murilo acordou  com o despertador de seu celular com a corriqueira música grega intitulada: Den tha xanagapiso, não porque significava alguma coisa no idioma, mas porque o som era o mais alto de seu playlist e lhe fazia pular da cama mas não com mau humor. Com a disposição que seus vinte e nove lhe proporcionava, levantou-se e repetiu três vezes as palavras que estava habituado a dizer glorificando a Deus. Como já havia separado na noite anterior suas coisas, levou tudo para o banheiro para assim começar o “ritual” semanal para ir a seu emprego. Murilo trabalhava com cultura e artes em geral em um instituto há apenas quinze minutos de sua casa de transporte público. Naquela quarta-feira de fim de ano, sem muita explicação, havia em seu peito uma alta estima pleonasmicamente nas alturas, e em seu ser um otimismo cacofônicamente ótimo. Tomou seu banho rápido, se barbeou ao som do mantra que mais gostava para que dessa forma pudesse abstrair quaisquer problemas ou pensamentos negativistas e se dirigiu para a varanda do quarto. Apenas de toalha, sentiu o vento do fim da primavera acabar de lhe secar, recebeu o sol da manhã como se tomasse outro banho e como de costume regou dois vasos que sempre estavam no mesmo lugar para assim apanhar o frescor da noite e o calor do raiar do novo dia.

Um contendo penicilina, menta e poejo e outro que ele carinhosamente apelidou de esperança, esperança era uma azaléia que não suportou o clima e nem as condições de cultivo que Murilo desconhecia e secara como um tronco de oliveira, mas que mesmo assim com sorriso nos lábios, Murilo regava e dizia rindo em murmúrios: Bom dia esperança... Ainda com o os repetitivos dizeres do mantra, dirigiu-se até o banheiro e se asseou, se encarou com o espelho e repetiu o que sempre gostava. “Eu aceito você como você é”. Foi para o outro cômodo e antes de se vestir, acendeu um incenso de violeta e o rodou no ar em sentido horário repetindo apenas essas palavras três vezes como se fosse um eco: Amor... Sorte... Fartura... Coragem... Proteção... Fé... Cura... Depositou com cautela a vareta no incensário e põe-se a ler o salmo noventa e um da bíblia sagrada. O cheiro do incenso começava a tomar conta do ambiente e ao final da leitura, Murilo beijou o livro sagrado e ainda nu segurou algumas pedras com pensamento positivo e começou a se vestir. Já com os auriculares sentia que os mantras mudavam e ao passo que isso ia acontecendo sem explicação sua harmonia ia se equilibrando. Colocou sua camisa social que havia ganhado de sua tia paterna na noite anterior, vestiu a calça jeans e calçou seu All Star azul. Quando o mantra de Lakshmi começou, Murilo lembrou-se de passar seu perfume, fazendo alusão à formosura dessa deidade hindu e desceu para a sala e onde percebeu que uma vez regadas as plantas, era chegada a hora de regar seu corpo com o desjejum em forma de leite, iogurte e vitamina em pó, pois não dispunha de tanto tempo assim mesmo que seu emprego ficasse perto de casa. Foi neste momento que Murilo percebeu que seu relógio de pulso recém comprado em um desses mercados de pulga havia parado, ele sorriu conferiu os bolsos e colocou àquilo como uma de suas metas do dia. Trocar a bateria. Como ainda tinha tempo e o emprego não exigia burocracias do tipo cartões de ponto ou descontos em caso de atraso, mas sim atrasos em seu salário, ele deu de ombros sem medo de demissão e colocou água e ração para a sua cadela Chiara, era uma boxer albina que tinha a alegria e energia de vinte crianças em um parque de diversões. Colocou seus óculos escuros e saiu ainda ouvindo os tais mantras. Olhava as pessoas dentro do transporte público por trás das lentes e dentro de si permanecia a alegria de ter um emprego e um lugar para ir, pois vivia em um país de desigualdades homéricas e índices de desemprego típicos do terceiro mundo.

Desejou bom dia ao motorista e desceu. Quase sem acreditar e desta vez o mantra já era de Durga ele leu a seguinte frase em uma placa. Aqui conserto de relógios. Era um senhor denotando vivencia no assunto e que logo com a alegria da manhã lhe desejou bom dia e disse que para trocar a bateria lhe custaria cinco reais. Com apenas um dos auriculares para dar atenção ao idoso que havia acordado mais cedo que ele, Murilo entregou o relógio parado. Com a precisão de um cirurgião o velho foi tirando as peças e repondo as novas. Tirou com uma pequena pinça como se extraísse uma bala de um ferido a velha bateria e colocou a nova. Depois de encaixar Murilo demonstrou que tinha pressa e o artífice disse que ainda faltava ajustar a data. Era um dia oito do mês de dezembro e a data marcava quatro. A data apenas alterava em ordem crescente uma vez que os ponteiros de hora e minuto goravam em sentido horário, o que o fez refletir sobre o incenso que havia reproduzido o mesmo gesto e de como a paciência é mesmo uma virtude. Por cinco reais aquele senhor não imagina o que havia proporcionado a Murilo e ele encontrou a razão da sua alegria e bem estar.

Ajustando os ponteiros, renovando a bateria, colocando data e horário em perfeita sintonia sem o fator pressa e sendo dono do seu tempo sem sofrer pelos outros, tudo flui para o bem. Para arrematar aquela manhã que apenas começava, um outro senhor que fatalmente trazia-lhe um relógio para conserto assomou-se e indagou-lhes:

-           Que dia é hoje?

E Murilo Respondeu simultaneamente com o relojoeiro:

-           Dia oito.

E o outro senhor recém chegado disse que curiosamente era dia da Imaculada Conceição, e que já não se comemorava mais tal data. Fez-se silêncio, e logo todos se desejaram "bom dia" e Murilo, seguiu otimista para seu dia com os ponteiros ajustados e em perfeito funcionamento.

- Fim -


A PORTA

Texto: Romulo Crescente

03.01.11


           Era uma bela manhã de Domingo desses de verão. A família Hoff decidiu juntar todos os artefatos de praia e fazer um popular bate e volta ao litoral norte do Estado de São Paulo. Eles já viviam no litoral, porém deu aquele desejo que não se pode medir de fazer algo diferente, e de fato o fizeram. O pai da família era investigador de policia e havia um carro que estava em sua posse que ele carinhosamente apelidara de Cabrito. Além de sua aparência apreensiva, e não de medo mas sim de veículo apreendido por roubo e de posse da policia, o mesmo era de fato um exemplar de coleção. Entendam a ironia, tratava-se de um bólido de quatro portas de uma tonalidade que partia de um dourado poente até chegar a um ferrugem tétano com manchas salpicadas de cinza no teto e uma primeira impressão daquelas que se têm quando um amigo apresenta a nova namorada que é feia e que não podemos nos conter dizendo para nós mesmos depois de um profundo suspiro: Puta merda...


A funesta viatura reproduzia um ruído ao acelerar semelhante a um desses aviões da primeira guerra mundial e a fumaça negra como um poço em noite sem luar defumava cada metro de autopista percorrido. Lá iam os Hoff com a esperança de um domingo sem televisão, parentes jogados no sofá da sala, macarronada e cerveja para adultos e guaraná para os jovens, isso sem contar o maravilhoso odor de frango de padaria que esse dia da semana tem. Permitam-me dizer que eles não eram de origem pobre ou de senso do ridículo afetado por alguma circunstancia. A filha mais velha estava em Natal no estado do Rio Grande do Norte na ocasião e foram para a empreitada o filho mais novo, o pai, a mãe e o pobre genro que ficara não podendo acompanhar a namorada que viajava em presença de suas primas.

Check-list começava a ser feito para encher o isopor gigantesco que iria ao porta malas do Cabrito. Uvas Thompson dessas que não têm caroços, salame, queijo prato, pratos, copos, toda a sorte de salgadinhos embalados e mais duros que o isopor que os abrigaria. Refrigerante, pão, manteiga e gelo para ornar ou esconder as bombas gastronômicas. Tudo a postos e conferido partiram rumo à rodovia Santos – Rio para a famosa cidade de Maresias. Para quem não conhece o litoral norte de São Paulo eu defino como o grande Ernest Hemingway fazia em suas viagens, porém descrevendo aromas e não o gosto das bebidas que o escritor fazia com esmero. Os sub distritos do litoral norte do Estado Paulista possuem uma peculiaridade que outros vilarejos não possuem sendo um misto de maconha, jaca, repelente e protetor solar. Tudo isso junto. Para àqueles que também não conhecem o lugar, trata-se de uma estrada linda e cercada de árvores quaresmeiras floridas na dita época do ano tingindo um cenário de beleza e calma. Por se tratar de uma rodovia de mão única os carros se cruzam o que geralmente causa certo receio nas ultrapassagens em caminhões pesados ou outros veículos que estejam mais devagar.

Buzinas e sinais de farol vindo de outros carros anunciam a todo instante comando rodoviário ou possível acidente uma vez que a mesma é sinuosa e repleta de aclives e declives nos fazendo sentir em um carrinho de montanha russa. No caso do Cabrito, era um trem fantasma a sensação, pois o cheiro de gasolina que ele tinha por dentro era embriagador e o tecido do banco pela ausência de ar condicionado fazia com que parecesse estar entre as corcovas de um camelo no Sudão. Passaram pela primeira praia a olho nu chamada Boracéia e ali se encantaram com as tonalidades do mar que era diferente do mar que eles estavam habituados a freqüentar. Algumas serras se apresentaram e Cabrito resistia bem como a pobre cachorra Baleia de Graciliano Ramos com meio palmo de língua para fora, mas seguindo seu trajeto com altivez de um rabecão. O primeiro desafio deu-se na curva de aclive acentuadíssimo onde os passageiros pareciam estar em uma aeronave decolando, Cabrito forçou, o pai da família Hoff engatou mais uma marcha e missão cumprida, a praia de Boiçucanga estava à vista e a família sorriu aliviada achando que o possante não agüentaria. Conversas, risos e piadinhas com o genro que estava mais tímido que um padrinho que derruba a pia batismal. O segundo desafio se apresentou entes da cidade de destino, Maresias, a subida era tão íngreme que se pensou até em mascar uma folha de coca para agüentar a altitude, entendam o porquê do pensamento folha de coca, estamos falando do Cabrito. Tudo era possível debaixo daquele bancos testemunhas de tudo menos de Jeová. O pai da família engatou a marcha e tentou subir.

Perdendo força a cada acelerada, cabrito denunciava que não agüentaria e como um comandante de aeronave tentando um plano B ele acelerou o máximo que pôde, porém foi em vão. Cabrito parou no meio da estrada depois da curva mais alta da estrada. Antes que uma lhama, guanaco ou caminhão basculante esmagasse a família inteira dentro do carro, o filho mais jovem e o genro saltaram do que se chamava carro e sinalizavam com a adrenalina e narinas abertas os velozes carros que quase batiam na traseira da caravan. A mãe no mato do acostamento com uma placa de curva perigosa atrás dela com vários furos de bala ria sem parar denunciando seu desespero. Já o pai com a tranqüilidade que só o desespero causa abria o motor e entre um muxoxo e outro detectava o motivo da pane. Falta de água no radiador, combustível sujo, velas entupidas e óleo com o nível mais baixo que entre outros diagnósticos de se dizer em uma sala de cirurgia. “Hora da morte...” Decidido Hoff pai desceu a montanha como um verdadeiro bandeirante desbravando as picadas daquela rodovia.

Depois de longo tempo de espera e de passar pela cabeça de todos que ali ficaram além de uma quase insolação mil vezes que teria ocorrido algo de grave com o pai ele voltava com dois sacos em forma de troféu. Um com gasolina e outro com água. A questão do óleo seria resolvida no posto, pois como reza o dito popular, para baixo todo santo ajuda.  Com as bênçãos de São Sebastião, coincidência ou não já estávamos sob jurisdição da cidade de mesmo nome, a família entrou no Cabrito e deram a ignição. Foi um alívio para todos semelhante ao som que se faz indicando desatar cintos em um vôo turbulento. Descida normal, risos nervosos chegaram ao destino. Lá tudo de maravilhoso e paz aconteceu. O pai e a mãe jogaram frescobol a beira mar, o genro montava o guarda sol enquanto que o filho carregava o isopor bomba mais próximo da sombra.

Um refrigerante aqui, uma sanduiche acolá, um arroto honesto, banho de mar, uvas com salame, combinação perfeita. Harmonia no ar, o barulho de uma praia deslumbrante com as ondas batendo fortemente na areia, risos de crianças ao redor, ambulantes oferecendo de tudo enquanto a família gargalhava do susto que haviam passado na estrada. A mãe depois de estender a toalha na areia que possui uma peculiaridade de fazer um ruído semelhante a uma quadra de basquete e de sair do corpo facilmente como farofa de mandioca bronzeou primeiro as costas e depois a parte frontal. Depois de tudo perfeito e de um domingo quase perfeito e do objetivo alcançado começava a hora de pensar na volta. Um clima começava a se instalar nos olhares. Quando o Deus Apolo começava a se despedir, todos decidiram deixar a praia e pegar a estrada de volta ainda com o entardecer popularmente chamado pelos motoristas de lusco fusco onde os faróis e lanternas estão metade acesos e metade apagados confiando na luz do astro rei. Como queriam evitar tal coisa e se tratando de uma estrada considerada perigosa e dentro de um veículo mais imprevisível que nadar ao lado de uma baleia orca menstruada. Sem titubear, o guarda sol fechou rapidamente, as cangas e esteiras reproduziam os gestos de apagar uma fogueira tirando à areia cantante, batiam chinelos, fechavam cadeiras com pressa, esvaziaram o peso do isopor que ainda contia sanduiches de mortadela, algumas uvas, refrigerantes (lembrando que ninguém bebia álcool). Nada contra quem bebe, mas isso só assustava ainda mais, pois diz o ditado popular que quem os anjos guardam mais os bêbados em determinadas ocasiões.

Os mosquitos da família dos borrachudus polvoras nosferatus satanifídicos serviu-lhes como o aviso final. Tiraram de dentro do isopor calmamente o excesso do gelo que virara água na areia, não poluindo, mas apenas pensando no bem estar e na coluna cervical do filho mais jovem que iria carregar novamente para o Cabrito, como um desses aborígenes do continente africano que acompanham expedições de pesquisadores estrangeiros. O último ritual, antes da despedida do local paradisíaco foi o de forrar os bancos com as toalhas para não sujar e nem molhar o que ainda era considerado pelo DETRAN um meio de transporte. Tudo a postos, uma passada pela cidade antes de Maresias antes de entrar na rodovia para comer algo e ir ao toalete de algum restaurante, passaram no que popularmente se chama de feirinha hippie para levar um souvenir qualquer.

O clima melancólico e sonolento começava a chegar como chega todo domingo, foi onde se lembraram de passar no posto de gasolina da cidade para evitar qualquer sinistro. Nível do óleo checado, pneus calibrados, água no radiador que fora hermeticamente fechado e combustível abastecido. Cintos de segurança afivelados, rádio sintonizado em uma estação de música a La Tim Maia e votos de uma boa viagem a todos por parte da mãe da Família. Ignição perfeita com ruído excedendo os decibéis de uma cigarra em um microfone de puxador de escola de samba assomando-se ao cheiro nauseabundo de gasolina e outras coisas que o sol transformara em charque, saíram do posto e deixavam a maravilhosa cidade para trás. Um frio na barriga se deu quando o mesmo morro que era descida na vinda agora se tratava de uma subida. Suspiro de um atleta que vai fazer seu salto em vara e força total no acelerador, Cabrito perdendo força, o pai da família mordia os lábios inferiores apertando o volante, passando a marcha fazendo a curva e dizendo como uma gravação de caixa preta: vai, vai, vai... Enquanto que a mãe com o dedo indicador da sua mão direita na maçã de seu rosto e os outros dedos da mesma mão em sua sobrancelha esquerda orava um pai nosso com toda a fé que tinha. Já no banco de trás filho e genro olhavam para o painel do Cabrito que não parava de piscar como uma árvore de natal, mas uma em especial chamada à atenção de todos. A da bateria.

Obviamente o pai foi para o acostamento e Cabrito novamente parou. Pisca alerta ligado pelo pai e todos saltaram para o acostamento como se já tivessem feito alguma espécie de treinamento. Enquanto a filha mais nova provavelmente na mesma hora descia alguma duna no morro do careca em sua viagem a quilômetros dali, a sua família descia o morro por ordem do pai que desta vez usou de sua patente retirando com certo ódio a bateria e ordenou sem parcimônia entregando a carteira para a mãe que voltassem ao posto e comprassem uma nova. O pobre genro montava o triângulo do carro contando os passos no afã de que não fosse incluído nesta tarefa quase de treinamento de sobrevivência na mata, muito comum no exército.

Delegando funções o pai disse que o genro acompanhasse mulher e filho e que dissesse o modelo da bateria e que voltassem rápido antes do anoitecer e passando segurança mesmo em voz de ordem unida que esse era o único problema que Cabrito apresentava e que uma vez recolocada a bateria chegaríamos a duas horas em nossos lares. Todos acataram e desceram morro abaixo. Tudo conforme o ordenado foi executado com esmero a tarefa no posto de gasolina. Na subida de volta se depararam com a imagem mais dantesca de todas, digna de um quadro de Botero. O pai sentado no capô do carro comendo um sanduiche de mortadela e tomando refrigerante quente. Um rompante de risos se deu quando aquele imenso general perguntou de boca cheia: E ai? Perdendo totalmente o respeito de todos ele trocou a bateria enquanto o tal do lusco fusco começava. Entre uma batida e outra no pescoço em razão das muriçocas, a família finalmente embarcou no que Gil Vicente chamaria de “A Barca do Inferno II“. Alivio imediato, e lá foram eles ao som de Blitz transformando a tempestade em calmaria. Até que o último, porém jocoso defeito de cabrito se deu. Mas esse não impediu o percurso.

Após todos entrarem no carro, o pai entrou pelo lado oposto, sentou-se ao volante e ao fechar a porta constatou que a borracha desprendida ou desajuste total ou até mesmo força ao fechar em forma de desabafo fizesse com que a melhor parte da viagem acontecesse. Em razão da porta do motorista não fechar por completo, cada carro que ultrapassava a família buzinava e indicava que a porta estava aberta. O pai paciente e de sorriso amarelado dizia cochichando e bem articulado para facilitar a leitura labial: “Eu sei, obrigado” Como a viagem duraria aproximadamente duas horas e com o cair da noite, o namastê do pai teve seu limite quando o centésimo nono veículo veio dando sinais de farol que refletia nos olhos do pai da família Hoff pelo retrovisor, buzinando e reduzindo a velocidade na ultrapassagem arriscando a própria vida, tratando-se de uma estrada de mão dupla, baixou o vidro elétrico de seu carro novo e caro de dar inveja a qualquer condutor, tentou balbuciar que a porta estava aberta. Com um grito que fez a mata em volta da rodovia calar e depois de manualmente baixar o vidro do Cabrito com o auxilio da mão forçando para baixo o mesmo enquanto que a mãe segurava o volante à deriva disse-lhe: “Eu sei caralho” E a família Hoff rindo como hienas chegaram com segurança em suas casas. O Cabrito? Voltou para o lugar de onde nunca deveria ter saído.

- FIM -